Filosofia
para principiantes
(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
Um livro bom, um
livro prazeroso, é aquele que, tendo mais páginas, nos agrada por mais tempo.
(Mário Sérgio
Cortella. Vamos pensar um pouco?).
O filósofo Mário José Cortella e o ilustrador Maurício de
Sousa estão reunidos no livro “Vamos pensar um pouco?” (Ed. Cortez, 2017).
Cortella é mestre e doutor em Educação, foi professor universitário por 35
anos, secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-1992), ultimamente
dedica-se a escrever e publicar livros na área de filosofia para crianças e
jovens. Maurício de Sousa é desenhista, ilustrador e quadrinista. Começou
publicando tirinhas nos jornais de São Paulo, depois criou revistas, escreveu
livros e hoje comanda um universo de personagens infantis que já somam mais de
trezentos. É o criador de personagens
famosas como Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e muitos outros.
Algumas dessas personagens ilustram este livro.
Dividido em 35 pequenos textos, Cortella incita o pequeno
leitor a pensar sobre a vida, com “persistência e alegria, com generosidade e
liberdade, com inventividade e criatividade”.
A viagem pelos textos começa com o próprio título do
livro: “Vamos pensar um pouco?”. A língua tem muitas sutilezas, vejam que basta
uma pequena palavra para modificar tudo. Se eu digo: vamos pensar pouco? É bem
diferente de: vamos pensar um pouco? Pensar pouco é pensar sem consciência, é
não refletir: pensar um pouco já exige mais cuidado, exige certo esforço para
refletir sobre determinados temas e assuntos.
O que é o saber? É difícil explicar, mas vale a pena
tentar. O autor parte do princípio que ninguém sabe tudo, mas devemos sempre
querer saber mais, mesmo tendo a consciência de que é impossível saber tudo. A
pessoa sábia recusa a mediocridade, ela quer sempre fazer o melhor que pode.
Será que mudar de opinião diminui a pessoa? Não, pode até
engrandecê-la. A liberdade de pensamento permite alterar a maneira como se
pensava antes. E citamos um exemplo de mudança.
Dom Hélder Câmara, no início de sua vida sacerdotal foi integralista,
ligado ao pensamento da direita, depois fez a opção pelos mais pobres e se
tornou um socialista católico. Boa
mudança do padre Hélder!
E sobre o tempo? O que temos a dizer? Um jovem de 20 anos
considera o futuro extremamente distante. Quando se tem 60 ou 70 anos, a ideia
de futuro é imediata. A respeito do tempo, o filósofo alemão Schopenhauer
(1788-1860), no seu livro “Aforismos”, foi bem claro: “Vista pelos jovens, a
vida é um futuro infinitamente longo, vista pelos velhos, um passado muito
breve”. O escritor, poeta e filósofo
Bartolomeu Campos de Queirós, no livro “Tempo de voo”, também dialoga sobre a efemeridade
do tempo. Uma conversa entre um ancião e uma criança mostra a visão que cada um
tem do tempo. Para a criança, o Natal demora a chegar, para o velho parece que
foi ontem e já nos aproximamos de um novo Natal.
O que é conhecimento partilhado? Será que você já parou
para pensar que ninguém é só aluno e que ninguém é só professor? Todos podem
ser educadores, ensinar algo a alguém, todo mundo aprende alguma coisa com o
outro. “Mestre” tem um sentido maior, é aquele detentor de muitos saberes, é
mais elevado, está em um patamar mais alto. O mestre dedica seu tempo a
partilhar conhecimento. Álvaro de Campos, o heterônimo erudito de Fernando
Pessoa, chamava Alberto Caeiro, de meu mestre. Caeiro não era o mais versátil,
era o poeta das coisas simples, da natureza, era aquele poeta que falava com as
flores, com os regatos, era detentor de saberes ligados à natureza. Para Álvaro
de Campos, Caeiro era seu verdadeiro
mestre.
Não falta nesse livro uma pitadinha de humor. Conta o
professor que, certa vez, estava fazendo uma palestra para profissionais da
área de enfermagem e tudo decorria muito bem. Quando chegou a hora do debate,
uma enfermeira bastante inteligente fez esta pergunta: “Que comentário o senhor gostaria que
fizessem a seu respeito no dia do seu velório?”. Durante oito minutos, o expositor procurou
responder à instigante pergunta. A resposta que deu não foi revelada neste
livro. Terminada a explanação, virou-se para a enfermeira e perguntou: “E você,
o que você quer que falem sobre você no seu velório?” A resposta não poderia ser
mais inteligente: “Nossa, ela está se mexendo!” Foi uma resposta bem-humorada e
deixou o professor sem graça. Ele apresentou argumentos filosóficos, ela
simplesmente indicou uma vontade que todos temos – não morrer nunca.
Essas são algumas das lições que o professor Mário Sérgio
Cartela procura transmitir a quem está procurando entender os mistérios da
vida, os porquês que envolvem tantas indagações. No terreno da Filosofia, temos muitas
perguntas e poucas respostas, mas é bom refletir sobre certas coisas que não
sabemos definir, isso nos torna mais humanos, mais humildes e conscientes do
nosso pouco saber.
Esse livro me levou ao encontro de outro que será lançado
brevemente – “Diário de um professor de Filosofia do ensino médio”. Aguardemos
a chegada desse livro, adianto que o professor é paraibano e durante muitos
anos lecionou Filosofia na UFPB e no ensino médio.
(Paraíba. Publicado no jornal
“Contraponto”, B3, 11 a 17 de maio de
2018)
POEMA DA SEMANA
MEMÓRIA PRÉVIA
O menino pensativo
junto à água da Penha
mira o futuro
em que se refletirá na água da Penha
este instante imaturo.
Seu olhar parado é pleno
de coisas que passam
antes de passar
e ressuscitam
no templo duplo
da exumação.
O que ele vê
vai existir na medida
em que nada existe de tocável
e por isto se chama
absoluto.
Viver é saudade
prévia.
( Carlos Drummond de Andrade)
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