segunda-feira, 14 de maio de 2018

Filosofia para principiantes


            Filosofia para principiantes
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            Um livro bom, um livro prazeroso, é aquele que, tendo mais páginas, nos agrada por mais tempo.
            (Mário Sérgio Cortella. Vamos pensar um pouco?).

            O filósofo Mário José Cortella e o ilustrador Maurício de Sousa estão reunidos no livro “Vamos pensar um pouco?” (Ed. Cortez, 2017). Cortella é mestre e doutor em Educação, foi professor universitário por 35 anos, secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-1992), ultimamente dedica-se a escrever e publicar livros na área de filosofia para crianças e jovens. Maurício de Sousa é desenhista, ilustrador e quadrinista. Começou publicando tirinhas nos jornais de São Paulo, depois criou revistas, escreveu livros e hoje comanda um universo de personagens infantis que já somam mais de trezentos.  É o criador de personagens famosas como Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e muitos outros. Algumas dessas personagens ilustram este livro.

            Dividido em 35 pequenos textos, Cortella incita o pequeno leitor a pensar sobre a vida, com “persistência e alegria, com generosidade e liberdade, com inventividade e criatividade”.

            A viagem pelos textos começa com o próprio título do livro: “Vamos pensar um pouco?”. A língua tem muitas sutilezas, vejam que basta uma pequena palavra para modificar tudo. Se eu digo: vamos pensar pouco? É bem diferente de: vamos pensar um pouco? Pensar pouco é pensar sem consciência, é não refletir: pensar um pouco já exige mais cuidado, exige certo esforço para refletir sobre determinados temas e assuntos.

            O que é o saber? É difícil explicar, mas vale a pena tentar. O autor parte do princípio que ninguém sabe tudo, mas devemos sempre querer saber mais, mesmo tendo a consciência de que é impossível saber tudo. A pessoa sábia recusa a mediocridade, ela quer sempre fazer o melhor que pode.

            Será que mudar de opinião diminui a pessoa? Não, pode até engrandecê-la. A liberdade de pensamento permite alterar a maneira como se pensava antes. E citamos um exemplo de mudança.  Dom Hélder Câmara, no início de sua vida sacerdotal foi integralista, ligado ao pensamento da direita, depois fez a opção pelos mais pobres e se tornou um socialista católico.  Boa mudança do padre Hélder!

            E sobre o tempo? O que temos a dizer? Um jovem de 20 anos considera o futuro extremamente distante. Quando se tem 60 ou 70 anos, a ideia de futuro é imediata. A respeito do tempo, o filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860), no seu livro “Aforismos”, foi bem claro: “Vista pelos jovens, a vida é um futuro infinitamente longo, vista pelos velhos, um passado muito breve”.  O escritor, poeta e filósofo Bartolomeu Campos de Queirós, no livro “Tempo de voo”, também dialoga sobre a efemeridade do tempo. Uma conversa entre um ancião e uma criança mostra a visão que cada um tem do tempo. Para a criança, o Natal demora a chegar, para o velho parece que foi ontem e já nos aproximamos de um novo Natal.

            O que é conhecimento partilhado? Será que você já parou para pensar que ninguém é só aluno e que ninguém é só professor? Todos podem ser educadores, ensinar algo a alguém, todo mundo aprende alguma coisa com o outro. “Mestre” tem um sentido maior, é aquele detentor de muitos saberes, é mais elevado, está em um patamar mais alto. O mestre dedica seu tempo a partilhar conhecimento. Álvaro de Campos, o heterônimo erudito de Fernando Pessoa, chamava Alberto Caeiro, de meu mestre. Caeiro não era o mais versátil, era o poeta das coisas simples, da natureza, era aquele poeta que falava com as flores, com os regatos, era detentor de saberes ligados à natureza. Para Álvaro de Campos, Caeiro era seu verdadeiro  mestre.

            Não falta nesse livro uma pitadinha de humor. Conta o professor que, certa vez, estava fazendo uma palestra para profissionais da área de enfermagem e tudo decorria muito bem. Quando chegou a hora do debate, uma enfermeira bastante inteligente fez esta pergunta:  “Que comentário o senhor gostaria que fizessem a seu respeito no dia do seu velório?”.  Durante oito minutos, o expositor procurou responder à instigante pergunta. A resposta que deu não foi revelada neste livro. Terminada a explanação, virou-se para a enfermeira e perguntou: “E você, o que você quer que falem sobre você no seu velório?” A resposta não poderia ser mais inteligente: “Nossa, ela está se mexendo!” Foi uma resposta bem-humorada e deixou o professor sem graça. Ele apresentou argumentos filosóficos, ela simplesmente indicou uma vontade que todos temos – não morrer nunca.

            Essas são algumas das lições que o professor Mário Sérgio Cartela procura transmitir a quem está procurando entender os mistérios da vida, os porquês que envolvem tantas indagações.  No terreno da Filosofia, temos muitas perguntas e poucas respostas, mas é bom refletir sobre certas coisas que não sabemos definir, isso nos torna mais humanos, mais humildes e conscientes do nosso pouco saber.
            Esse livro me levou ao encontro de outro que será lançado brevemente – “Diário de um professor de Filosofia do ensino médio”. Aguardemos a chegada desse livro, adianto que o professor é paraibano e durante muitos anos lecionou Filosofia na UFPB e no ensino médio.

(Paraíba. Publicado no jornal “Contraponto”, B3,  11 a 17 de maio de 2018)   

            POEMA DA SEMANA

            MEMÓRIA PRÉVIA

            O menino pensativo
            junto à água da Penha
            mira o futuro
            em que se refletirá na água da Penha
            este instante imaturo.

            Seu olhar parado é pleno
            de coisas que passam
            antes de passar
            e ressuscitam
            no templo duplo
            da exumação.

            O que ele vê
            vai existir na medida
            em que nada existe de tocável
            e por isto se chama
            absoluto.

            Viver é saudade
            prévia.
            ( Carlos Drummond de Andrade)

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