domingo, 6 de novembro de 2016

            Macunaíma para jovens

                    
       Macunaíma é construído em uma espécie de colagem feita com mitos, folclore, histórias de origens variadas, superstições, provérbios, frases feitas, neologismos, palavras em tupi e anedotas que sintetizam o caráter de nosso povo e da nossa cultura.
(Sílvia Oberg)


Duas bonitas edições do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade, foram publicadas este ano (2016). “Macunaíma em quadrinhos” (Ed. Peirópolis), uma adaptação de Ângelo Abu e Dan X e “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” (Ed. FTD), texto integral, com ilustrações de Mariana Zanetti.  

“Macunaíma” foi publicado em 1928, no mesmo ano da publicação de “A bagaceira”, de José Américo de Almeida. Os dois livros se destacam no cenário da literatura brasileira pelo caráter inovador. “A bagaceira” foi obra introdutória do regionalismo nordestino do século XX.  “Macunaíma”, pela mistura de variadas referências culturais e reflexões sobre a realidade brasileira, despertou sempre a atenção dos críticos.  Em “A bagaceira”, vamos encontrar um repositório de termos regionais nordestinos; em “Macunaíma”,  há o predomínio de palavras de origem indígena (tupi).

“Macunaíma em quadrinhos” reúne dois grandes ilustradores brasileiros: Ângelo Abu e Dan X. O livro apresenta vários aspectos interessantes, um deles é o posfácio, em forma de quadrinhos. Nele, os ilustradores traçam um breve roteiro biográfico do trabalho artístico de cada um e chegam até à obra Macunaíma que já foi “engolida pelo domínio público”. 

Para Laudo Ferreira, leitor e quadrinista, o livro foi narrado e graficamente interpretado com o espírito das matas. Ressalta, ainda, as intertextualidades que os artistas utilizaram para adaptar a história/rapsódia. Neste livro, estão presentes: as pinturas das modernistas Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, o cubisno de Picasso, os planos e perspectivas de Escher, a beleza das artes incas e das carrancas do rio São Francisco, culminando com “Mário na rede”, de Lasar Segall. A inovação prossegue. Mário de Andrade criou Macunaíma “herói de nossa gente”, como “preto retinto e filho do medo da noite”. Os adaptadores criaram um Macunaíma azul.

            A capa é toda ilustrada em vermelho e preto e apresenta muitos figurantes: índios, animais, monstros e alguns brancos. Bem no centro da capa, no meio do emaranhado de desenhos, aparece Mário de Andrade. Na contracapa, um índio conduz uma bela moça. No capítulo “Maioridade”, há reprodução da mesma cena e ficamos sabendo que se trata do índio Jiquiê conduzindo pela mão uma cunhã. Capa e contracapa proporcionam uma leitura rica e variada.  O texto original de “Macunaíma” contém dezessete capítulos. O texto adaptado apenas quatorze e um epilogo.

            “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” (Ed. FTD, 2016) é o texto integral da obra-prima de Mário de Andrade, considerada uma das obras mais significativas da literatura brasileira. São dezessete capítulos, mais o epílogo. O posfácio e as notas são de Noemi Jaffe que tem formação em Letras e foi professora durante vinte e cinco anos de Literatura Brasileira em São Paulo.   A capa e as ilustrações do livro são de Mariana Zanetti, arquiteta graduada pela FAUUSP. Zanetti já trabalhou com mobiliário, teatro, cinema, depois fez a opção por ilustração de livros.  Atualmente mora em Berlim. 

            Mário de Andrade se utilizou de muitos vocábulos de origem tupi e cada capítulo traz um glossário com explicações das palavras de origem indígena. Além do posfácio com o título “Pensamenteando sobre o herói de múltiplos caracteres”, o leitor ainda encontra “Notas” com explicações sobre cada capítulo, uma breve biografia de Mário de Andrade e a “Bibliografia” com as principais obras consultadas para a elaboração das notas. E foram muitos livros consultados.

            Para Noemi Jaffe, “Macunaíma” é um dos livros mais comentados, revirados e, também, incompreendidos da história da literatura brasileira.  Esta edição, com as explicações da ilustre professora, irá torná-lo “palatável” e deixará de ser incompreendido. O leitor jovem encontrará prazer na sua leitura que procura esclarecer muita coisa que antes estava encoberta.   

            Concluímos essas considerações com uma passagem do último capítulo do livro – “Ursa maior”:

            - Macunaíma!
            O dorminhoco nem se mexia.
            - Macunaíma! ôh Macunaíma!
            - Deixa a gente dormir, aruaí... 
            - Acorda, herói! É de-dia!
            - Ah... que preguiça! ...
            - Pouca saúde e muita saúva,
            Os males do Brasil são!...


            (Aruaí é uma espécie de papagaio, maritaca). 

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Intramuros: romance ou depoimento literário?

Intramuros: romance ou depoimento literário? 
            (Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)


            Creio que o Intramuros pode ser catalogado como romance, mas, pra mim, tem mais a ver com um depoimento literário, digamos assim – um despretensioso relato de como a gente, se perdendo, vai se descobrindo no esforço de escrever um livro.  
                        (Lygia Bojunga).


            A escritora Lygia Bojunga Nunes não é a mais prolífera das escritoras de livros infantojuvenis do Brasil, mas, certamente, é uma das mais premiadas. Quase todos os seus livros receberam prêmios, sendo dois internacionais: a medalha Hans Christian Andersen (1980) e Astrid Lindgren Memorial Award, 2004 (ALMA). Este último foi criado pelo governo da Suécia e confere ao ganhador a soma de cinco milhões de coroas suecas, equivalente a quinhentos mil euros. O valor monetário desse prêmio é um dos mais altos da literatura.

 Com o dinheiro advindo desse prêmio, Lygia realizou um sonho há muito acalentado – a criação da “Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga” (FCCLB) que funciona no Rio de Janeiro, no bairro de Santa Teresa e no sítio Boa Liga, em Petrópolis.    A Fundação abriga a Editora Casa Lygia Bojunga Ltda. É voltada para projetos que despertem o desejo de ler através de variadas práticas de leitura. Existe também uma preocupação com problemas ligados à ecologia. O sítio Boa Liga, um espaço da Mata Atlântica, é a outra morada da Fundação. Nesse espaço bucólico, o Livro e a Natureza caminham juntos. A FCCLJ é mantida exclusivamente com os recursos do prêmio e a venda dos livros da autora. Os projetos são desenvolvidos no “Nicho”: Santa Teresa, Rio de Janeiro e no Sítio Boa Liga: Pedra do Rio, Petrópolis, RJ. Os projetos têm finalidades literárias, culturais e ecológicas.

 “Intramuros” (Rio de Janeiro: Editora Casa Lygia Bojunga, 2016) é o livro mais recente de Lygia Bojunga. É o vigésimo terceiro livro da escritora. Ela considera que escrever é “um caminho longo e tortuoso”, talvez, por isso, de forma reiterada, expressa em seus escritos problemas ligados ao ofício de escrever. Isso ocorreu, entre outros, com “Feito à Mão”, “Livro: um encontro com Lygia Bojunga Nunes” (texto teatral) e agora com “Intramuros”.

 O livro não está dividido em capítulos, mas há separações entre os textos que indicam cortes narrativos. Logo, nas primeiras páginas, a personagem Nicolina é apresentada pela narradora.   Dá a impressão de que será a condutora da trama, mas surgirão outras vozes.  Lygia foi artista de teatro e se utiliza de recursos cênicos para introduzir a sua personagem: “Ah! Se este espaço fosse um palco, eu não teria que ficar tão cheia de dedos pra te fazer um gesto e dizer, esta é Nicolina. E, pronto! ela entrava em cena e, num segundo, se revelava pra você. – na aparência, na expressão do rosto, no jeito de andar, de olhar, de sorrir. Mesmo que não dissesse uma só palavra, a presença dela já seria uma revelação” (p. 14). No decorrer da narrativa, Nicolina fala sobre sua infância, seu riso desmedido, suas atitudes que levavam as pessoas a pensar que era autista. De repente, um corte narrativo, a personagem desaparece.  Mas ela irá retornar em outras passagens do livro.

 Em outro momento, é a narradora, no caso a autora, que se apresenta. Nessa parte, o depoimento sobrepuja o romance.  Descreve certos locais de Londres, uma Londres pouco conhecida dos turistas: verdejante, romântica. Há trinta e quatro anos que Lygia passa parte de sua vida em Londres, outra no Rio de Janeiro. Todos os anos seu tempo é dividido – Rio/Londres E vem a descrição dos lugares que escolheu para morar com seu marido, Peter. Ela prefere livros a filmes, mas foi vendo um filme com o ator Alec Guiness que descobriu Hampstead Heath. Pegou um mapa, examinou bem o local e no outro dia foi descobrir que Hampstead Health era esse. As paisagens reveladas de vários locais londrinos levam o leitor a viajar na companhia de uma guia que conhece muito bem a cidade que escolheu para morar por alguns meses do ano.

 Vinícius, Rosário, Garibalde, Gari, Hortênsia são outras personagens que moram nesse livro cheio de diálogos. E Nicolina retorna com mais revelações sobre sua vida.  Nas últimas páginas, a autora fala sobre o seu fazer literário e explica como começou a sua paixão pelos livros. O início se deu com a leitura dos livros de Lobato. Enturmou-se com as personagens lobatianas. “Elegeu Emília como confidente e conselheira.” Tornou-se tão íntima de Lobato que escreveu uma carta chamando-o de “prezado colega”. Quando decidiu procurar outros sítios, já era leitora feita. “Daí pra querer escrever foi um pulo”.

Na adolescência, escreveu diários e mais diários; na escola, peças de teatro, representadas pelo grupo teatral que criou junto com colegas. Para ganhar algum dinheiro, escreveu para rádio, teatro e televisão. Ainda não tinha despertado para escrever um livro. Um dia, resolveu criar os primeiros moradores de uma casa chamada livro e surgiu “Os colegas”. A casa se tornou pequena e foram aparecendo outros moradores: Raquel, Angélica, Maria, Lucas, o amigo pintor, a professora Vera e muitos outros. Nicolina é a mais nova moradora. Certamente virão outros livros. Novos moradores irão enriquecer o universo literário da escritora.  Aguardemos.
 

( Publicado no jornal “Contraponto”. Paraíba, 03 a 07 de outubro de 2013). 

Nota: Tenho andado um pouco ausente. Prometo voltar com mais assiduidade. 

domingo, 17 de julho de 2016

Ricardo Azevedo: O poeta, o ilustrador e o Caderno Veloz
            

            Entre na minha casa
            não repare na nossa felicidade.
            Confesso que cheguei a duvidar que você vinha
            mas você veio.
            (Ricardo Azevedo. Caderno Veloz de anotações, poemas e desenhos)

            Com o livro “Caderno Veloz de anotações, poemas e desenhos” (Ed. Melhoramentos, 2015), Ricardo Azevedo ganhou o Prêmio de Melhor Livro de Poesia da FNLIJ. Estão presentes neste livro o desenhista, o ilustrador, o poeta, o prosador.

            No texto, “A liberdade do gesto, da imagem, da palavra”, inserido na última página do livro, o autor dá breves explicações sobre o seu fazer poético e artístico e afirma:
            “Tanto os poemas como as imagens do livro são, na minha cabeça, igualmente “textos’, ocupam o mesmo espaço dentro do trabalho, são autônomos, nasceram por conta própria, têm sua razão de ser e representam algo para ser lido e examinado.” (p. 79).

             Vamos acatar a sugestão do poeta/ilustrador: ler e examinar os poemas e as imagens do livro.  O caderno é veloz e cabe ao leitor seguir o ritmo do escritor.
            Na página 72, aparece a ilustração de uma moça com quatro olhos. A visualização dessa imagem provoca certo estranhamento. Se o leitor olhar atentamente para toda a figura, ela parece duplicada.  O olho duplo nos dá uma sensação de desconforto visual, é a presença do inusitado.    Na página 73, encontramos o poema referente a esta ilustração.  E o que diz o poema?


            “Começar e fazer e criar
e experimentar e recomeçar e refazer
e recriar e experimentar e repensar e rever
e recomeçar e refazer
[...]
O poema segue  repetindo os mesmos vocábulos. São 17 versos em uma única estrofe.  Os dois primeiros versos estão escritos no tamanho normal das letras, a partir do 3º e 4º. versos as letras vão diminuindo de tamanho e sempre nessa ordem – de dois em dois versos há diminuição no tamanho das letras. A duplicidade da escrita se associa à imagem do olhar duplicado.   Se partirmos para o lado semântico do poema, aí está explícito o trabalho do poeta – “fazer, criar, experimentar, recomeçar, refazer, recriar, repensar, rever.” Essas mesmas palavras se repetem por todo o poema.

 Na página 60, aparece a ilustração de dois homens. Um olha para o outro através de uma espécie de binóculo, embora estejam bem próximos. O poema da página seguinte (p.61) apresenta intertextualidades com poemas de poetas brasileiros. A primeira estrofe é uma reunião de versos recriados de Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Drummond, João Cabral de Melo Neto. De Manoel Bandeira há referência ao poema “Vou-me embora pra Pasárgada”. Segue-se a primeira estrofe do poema:

“Apagaram as saudades que eu tinha da aurora da minha vida
Derrubaram as palmeiras e caçaram meus galhos
Destruíram o meio e o caminho com pedra e tudo
Mataram e comeram os galos que teceriam minhas manhãs
e, não contentes, espalharam endereços falsos de Pasárgada.” (p. 61)

O único texto em prosa está na página 31, é um amontoado de palavras sem nenhuma pontuação. O texto começa com a expressão: “Preciso contar o que aconteceu” e termina com a mesma expressão. Durante a leitura, pensamos em descobrir o que realmente aconteceu: O que foi? As possíveis respostas estão no próprio texto: “está tudo meio confuso”, “está tudo aqui entalado na garganta”. A ilustração para este poema em prosa representa o rosto de um homem duplicado – eu e o outro? E lembramos-nos dessa proposição – a poesia não é para ser compreendida, é para ser sentida. E Fernando Pessoa nos ajuda com o último verso do poema “Isto”: “Sentir? Sinta quem lê!”

“Caderno Veloz de anotações, poemas e de desenhos” é um livro instigante. Ricardo Azevedo explica que tanto os poemas como os desenhos foram feitos e refeitos durante alguns anos, alguns foram retirados de livros anteriores, como “Feito Bala Perdida e Outros Poemas” e as imagens a partir de 2013, mas as raízes são bem anteriores.

Minha admiração por livros de Ricardo Azevedo começou há muitos anos. Fiz uma resenha para a revista “Afinal” nos idos de 1990 de um livro que me foi enviado por Jorge Medauar – “Tá vendo uma velhota de vestido azul de bolinha branca no portão daquela casa ?” (Ed.FTD). A revista e o escritor Jorge Medauar desapareceram na poeira do tempo. O livro de Ricardo Azevedo foi reescrito e publicado posteriormente pela Companhia das Letrinhas. O texto foi refeito, novas ilustrações até o título mudou – “Uma velhinha de óculos, chinelos e vestido azul de bolinhas brancas”. O título pode ter ficado mais agradável, mas prefiro a 1ª edição, é uma “lembrança do mundo antigo” – “Havia jardins, havia manhãs naquele tempo !!!”   


            ( Texto publicado no jornal “Contraponto” – B-2. Paraíba, 15 a 22 de julho de 2016) 

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Cobra Norato e outras miragens: mito, folclore e poesia

(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

Que é um mito? Uma narrativa de História fantástica, desfigurada pela credulidade, agindo no sentido do maravilhoso.
(Luís da Câmara Cascudo. Literatura Oral no Brasil).

 É um erro pensar que a literatura infantil não tem compromisso com a pesquisa, com a leitura de livros teóricos. No universo da literatura dirigida às crianças, encontramos muitos livros que revelam intertextualidade com os contos de origem popular, com a poesia de cordel.

A escritora Eloí Bocheco é apaixonada pela literatura oral e de cunho popular, muitas vezes a autora recorre aos livros de Câmara Cascudo para escrever seus textos destinados às crianças.  “Batata cozida, mingau de cará”, que integra essa linha de valorização do popular, foi premiado pelo MEC e integrou a coleção Literatura Para Todos.

Se fizermos um exame mais acurado na vasta produção da literatura infantojuvenil da autora catarinense, iremos nos deparar com outros títulos que estão intrinsecamente ligados às brincadeiras infantis, ao folclore, à tradição oral e citamos “Pomar de brinquedo”, “Cantorias de jardim”, “Tá pronto, seu lobo? e outros poemas”.
   
Em 2016, pela editora Habilis, Eloí publicou “Cobra Norato e outras miragens”, texto ilustrado por Dane D´Angeli, que vem comprovar mais uma vez o que afirmamos a respeito da recorrência aos temas folclóricos.  A autora foi buscar em Câmara Cascudo, Leonardo Boff e Carlos Rodrigues Brandão os elementos que deram suporte para escrever este livro - “em versos singelos, de sincera afeição” - as miragens que envolvem certas histórias ouvidas ou lidas na infância.
     
A respeito desse último livro, a autora afirma que há muito tempo acalentava o desejo de realizar esse sonho – “celebrar poeticamente algumas figuras do folclore brasileiro”, para isso recorreu às histórias guardadas na memória. 
 Dezessete poemas falam, através de versos, sobre elementos ligados ao folclore, às lendas, aos mitos de origem popular São poemas narrativos, contam uma história, como acontece com “Cobra Norato” e “Negrinho do pastoreio”.
    
“Cobra Norato” é o primeiro poema do livro. Câmara Cascudo registra essa história no livro “Geografia dos mitos brasileiros” e apresenta duas versões, explica que a origem desse mito é da região amazônica (Pará). Honorato ou Norato era ao nome do moço que durante o dia era cobra, em noites de lua cheia se transformava em moço bonito desejado pelas moças. Como sabia dançar bem o danado! No texto poético, ganha mais beleza:

Surgia nos bailes e
dançava até o amanhecer,
- “Quem é o belo cavalheiro?” –
as gentes queriam saber.

Um clima de mistério envolve o rapaz que ficava envaidecido com a curiosidade que despertava nas jovens.  Honorato tinha dois destinos – um de gente, outro de bicho. Era necessário descobrir esse mistério para Honorato voltar à forma humana.

“Negrinho do pastoreio” está registrado no livro de Câmara Cascudo como uma lenda tipicamente do Rio Grande do Sul. Em seis estrofes, Eloí resume a lenda em versos. Câmara Cascudo louva a tecedura admirável dessa lenda e considera-a de “intensa e comovedora ação dramática” Segue-se o poema de Eloí Bocheco:

Negrinho do Pastoreio
foi açoitado
por causa do cavalo
que sumiu no prado
no meio do formigueiro
seu corpo foi jogado.

            O que nos chama a atenção nesse poema é o poder de concisão, com apenas seis versos toda história do negrinho foi contada, seguem-se outras estrofes, mas o essencial está expresso com poucas palavras na primeira estrofe, é o poder inerente do poema - dizer o muito com poucas palavras.

Selecionamos esses dois poemas para demonstrar que as lendas e os mitos circulam pelo Brasil em diferentes versões. “Cobra Norato” está ligado à região amazônica, “Negrinho do pastoreio” ao Rio Grande Sul. Os mitos e lendas atravessam as fronteiras regionais.
  
“Cobra Norato e outras miragens” me levou ao encontro de “Guriatã: um cordel para menino”, do poeta pernambucano Marcus Accioly Os dois poetas, Bocheco e Accioly, se utilizaram das vozes dos folcloristas, pesquisadores, estudiosos da nossa cultura e das nossas raízes que alimentam o imaginário popular brasileiro para cantar em versos, com força poética esses mitos e as lendas.
   .
NOTAS PARAIBANAS
“A Scena Muda” e outras cenas.

Luiz Augusto Paiva da Mata publicou pela editora All Print em 2014 o livro “A saudade e outras manias do coração”, livro de contos, que teve a participação de Hérmany Menezes, responsável pelas fotografias e as ilustrações.  Nove contos integram a coletânea e todos trazem o resgate de um tempo que deixou as marcas da infância e da adolescência do contista. São contos memorialistas e chamou-nos a atenção o primeiro conto do livro – “A Scena Muda”.

Muitos leitores vivenciaram essa experiência relatada pelo autor. O cinema é o foco principal desse conto e a revista “A Scena Muda” o motivo condutor de toda trama.  Os fatos apresentados referem-se à fase infantil do contista. Sua vida de menino, amante do cinema, morando no interior paulista não era diferente do que vivenciou João Batista de Brito, colunista do “Contraponto”, em João Pessoa. Viveram em locais distintos, mas a “scena” apresenta semelhanças.
  
Quem não se lembra de uma irmã mais velha ou de uma tia que colecionava álbum com retratos dos artistas de cinema que faziam sucesso nos anos 1950/1960?  O contista traz de volta esse passado – a coleção de retratos de artistas famosos do mundo do cinema, como Errol Flynn, Gary Cooper, Ginger Rogers, Ava Gardner, Robert Taylor e muitos outros, pinçados da revista “A Scena Muda”, todos esses ídolos estavam pregados nas paredes dos quartos do menino Luiz Augusto e da irmã Elza.   

À noite quando ia dormir, as artistas desciam da parede e vinham conversar com o menino e as conversas imaginárias se prolongavam até o sono chegar. Elza também conversava com os artistas quando todos estavam recolhidos.

O pai, um militante do Partido Comunista, homem trabalhador e severo, não gostava das manias dos filhos. Reverenciar artistas de cinema! “Tudo aquilo era coisa do imperialismo americano”. A irmã era apaixonada por Errol Flynn, Luiz Augusto adorava Ava Gardner, não compreendia porque uma mulher tão bonita era maltratada pelo marido, Frank Sinatra. A artista Ginger Rogers era outra que habitava no seu coração.  A vida dos artistas fazia parte da vida do menino.
 
Veio a notícia de mudança, iriam morar em Taubaté, e com a mudança os retratos dos artistas foram rasgados pelo pai em um momento de irritação.  Para aumentar a tristeza dos filhos o pai ainda recomendou - na nova casa nada de retratos de artistas nas paredes.
  
Luiz Augusto é natural do Rio de Janeiro, passou parte da infância em São José dos Campos e Campos do Jordão, depois foi morar em São Paulo, atualmente reside em João Pessoa.
  
    (Publicado no jornal “Contraponto”. Caderno – B, Paraíba, 13 a 19 de maio de 2016).


domingo, 24 de abril de 2016

Monteiro Lobato: pintor, escritor, editor
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            Tudo morre, tudo passa, tudo desaparece levado pelo rio do Tempo- menos a obra de arte. Como Camões produziu uma verdadeira obra de arte, não morreu – está sempre vivo na memória dos homens.
            (Monteiro Lobato. In: Geografia de Dona Benta).

            O dia 18 de abril é consagrado ao livro infantil no Brasil. Nessa data nasceu na cidade de Taubaté (SP), em 1882, o escritor que dedicou grande parte de sua vida a escrever livros para crianças – Monteiro Lobato.  

            A professora Marisa Lajolo, estudiosa da obra do escritor, afirma que Lobato era um homem de sete instrumentos, como gato de sete vidas e por viver tantas vidas, ainda hoje gera polêmicas tão acesas quanto aquelas que vivenciou na década de 1930,  apregoando a existência do petróleo no Brasil ou quando condenava a queima das matas como um fator de poluição ao meio ambiente.  

            Vamos examinar algumas dessas facetas desse artista múltiplo, começando pela pintura. Antes de dedicar-se à literatura, Lobato pensou em ser pintor e deixou o registro dessa fase em aquarelas da cidade de Taubaté, da fazenda Buquira e fez caricaturas para a revista Fon-Fon. O desenho mais antigo de Lobato foi feito quando contava seis anos de idade. Desenhou laranjeiras carregadas de copas redondas, trabalho realizado na Fazenda Santa Maria, em Taubaté. Aos dez anos, fez o desenho de um lago cercado por árvores e dedicou à sua avó.

            Monteiro Lobato foi criado pelo avô que tinha outros planos para o neto, não queria que fosse apenas pintor, tinha ambições mais altas.  Em um período de valorização dos bacharéis (primeiros anos do século XX), o avô desejava ver o neto formado em Direito e foi incutindo pouco a pouco no jovem esse desejo e viu realizada sua vontade. O neto seguiu o curso de Direito, mas  em nenhum momento pensou em abandonar de vez os pincéis e as tintas. Ele mesmo confessou, certa vez, que a pintura era uma antiga paixão que teimava em reaparecer como urticária crônica e dizia que sofria de uma pequena crise pictórica.

            No livro “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúnida” é possível conhecer quadros que apresentam as diferentes fases e as técnicas utilizadas pelo pintor no seu trilhar artístico: aquarela, nanquim, óleo.

            Como escritor, Lobato não iniciou sua vida literária escrevendo para crianças, inicialmente se dedicou “aos marmanjos”, e escreveu livros de contos – “Urupês” e “Cidades Mortas”. Depois enveredou para a literatura infantil, adotando uma linguagem que primava pela “ oralidade, despojamento sintático e criação vocabular”. 
  
             É na literatura para crianças que Lobato encontrou seu verdadeiro caminho.  Em 1921, lançou o livro “Narizinho Arrebitado” que conquistou o público infantil. O livro foi adotado nas escolas públicas de São Paulo e o sucesso extrapolou os limites regionais. Nascia aí o cenário idílico do Sítio do Picapau Amarelo e os personagens marcantes desse universo – Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa, Dona Benta e tia Nastácia, entre muitos outros que iriam morar na cabecinha das crianças brasileiras. Esse era o grande sonho de Lobato – escrever livros onde as crianças pudessem morar neles. O sonho foi realizado.  

            Iniciando a carreira literária como escritor, Lobato foi  depois editor de seus próprios livros, por fim editor de obras alheias. Em 1918, comprou a “Revista do Brasil” e sonhou mais alto – tinha esperanças de possuir uma casa editora e conseguiu realizar o que planejara, criou a editora Monteiro Lobato & Cia e editou livros de escritores e poetas brasileiros,  como Lima Barreto e Olavo Bilac, mas surgiram várias crises – crise no setor elétrico, crise de água da Cantareira ( problema antigo),  setor bancário e a editora se tornou inviável, veio a falência, mas Lobato resistiu e partiu para novas aventuras literárias e para outras lutas.

Em 1925, transferiu-se para o Rio de Janeiro e passou a colaborar com os jornais do Rio, depois foi morar nos Estados Unidos como adido comercial do Brasil em Nova York. Ficou entusiasmado com o progresso daquele país que vivia uma efervescência industrial. Um fato que muito lhe chamou a atenção foi o grande número de bibliotecas nos Estados Unidos.  Veio a queda da Bolsa de Nova York em 1929 e Lobato resolveu regressar ao Brasil.  Um novo recomeço.

De volta ao Brasil, trabalhou muito para sobreviver, passava horas e mais horas na máquina de escrever, mergulhava nos seus textos e produzia novas histórias para crianças, incentivava a formação de companhias para a exploração do petróleo.   Mais uma vez suas ideias não encontraram  eco. Os trustes americanos boicotaram  seu projeto da Fundação da Companhia de Petróleo Nacional. Era  uma frustração para quem sempre lutou para ver um Brasil próspero, independente, com pessoas instruídas  e produzindo petróleo.  

Nos últimos anos de vida, Monteiro Lobato se mudou para Argentina, publicou livros que tiveram boa aceitação entre as crianças e fundou com amigos uma nova editora – Acteon. Sentiu saudades do Brasil e voltou  doente e um pouco desiludido. Em 5 de julho de 1948, o escritor despediu-se da vida, uma vida toda dedicada à literatura, à educação. Foi um grande brasileiro  que deixou um legado para  as gerações futuras.

            Durante quarenta anos Lobato manteve correspondência com o juiz e escritor bissexto Godofredo Rangel.  Seus pensamentos, suas ideias, estão explícitas nessa vasta correspondência que foi reunida em dois volumes com o título “A Barca de Gleyre”. Esse título remete à tela do pintor francês Charles Marc-Gabriel Gleyre, denominado “Le Soir, ou Les Illusions Perdues” Mais uma vez é a presença da pintura na vida do escritor.

            Na fala de Dona Benta aos meninos do sítio do Picapau Amarelo, ela apregoa que as verdadeiras obras de arte não morrem. Quase setenta anos se passaram da morte de Lobato, mas ele continua vivo na memória dos seus leitores, continua sendo estudado, divulgado, analisado e gerando polêmicas. Está vivíssimo.
           
( Texto publicado no jornal "Contraponto" - 18 a 24 de abril de 2016)  


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Arte feminina indiana

            Arte feminina indiana


            A vida é estranha, você nunca sabe o que espera por você.
            (Amrita Das. A esperança é uma menina que vende frutas).

            “A esperança é uma menina que vende frutas” (Ed. Companhia das Letrinhas, 2015), livro da escritora e ilustradora indiana Amrita Das, foi traduzido no Brasil por Rosa Amanda Srausz. É o resultado de uma oficina de texto e ilustração que  Amrita Das cursou na cidade de Chennai, situada no sudeste da península indiana.

            Amrita Das nasceu na Índia em 1986 e estudou durante dois anos no Mithila Art Institute, em Madhubani. É uma das artistas mais importantes do estilo “Mithila”, uma arte folclórica que teve origem entre as mulheres da região rural do estado indiano de Bihar. Como artista plástica, Amrita está rompendo as barreiras do convencional e procura imprimir sua marca pessoal à pintura mithila. Como escritora, este é seu primeiro livro.

            A história começa com a viagem que a artista fez a Chennai e o que vai observando durante o longo percurso.  Ao chegar à cidade, encontrou um professor que a encantou com a maneira cativante de expor suas ideias.

            Primeiro desafio do curso  – pensar uma história, escrevê-la e desenhá-la. Por onde começar? Amrita queria desenhar mulheres participando de sua história. De início teve um bloqueio, depois se lembrou de sua infância e desenhou duas meninas debaixo de uma árvore.

            A cena representada era idílica, as duas meninas dançavam felizes. E veio na sua memória o retorno ao passado e a indagação: Será que minha infância foi feliz assim? Lembrou-se da infância, tinha sido bem diferente da cena retratada. Desde muito pequena era responsável por um grande número de tarefas. A meninice passou sem que ela percebesse. Conversou com o professor, os colegas e resolveu criar uma nova historia, não seria sua própria história, mas a da menina que encontrara no trem no caminho para Chennai.

            Era o segundo desafio e pareceu-lhe ser mais difícil ainda. A menina tinha “olhos pobres e inocentes” e era tão silenciosa... À noite subiu para o beliche e ficou lá quietinha, não comeu nada.. Estaria com fome? Como era possível dormir sem nada no estômago? E o texto foi surgindo naturalmente, assim como as ilustrações.

            Depois da meia-noite, Amrita acordou  e procurou a menina, não estava no beliche. E surgiram pensamentos negativos. Teria sido sequestrada? Vendida? Traficada? A ilustração para esta parte da história é um verdadeiro labirinto com trilhos de trem, estradas, caminhos floridos, tudo emaranhado.

            De manhã cedo, lá estava a pequena, tinha um pouco de comida no prato. Tentou conversar com a menina, mas ela quase nada disse. O trem deslizava, passavam cidades e a pequena viajante continuava imóvel, olhando para o vazio, indiferente a tudo e a todos.

            E vêm as reflexões sobre a vida das meninas pobres que levam a vida trabalhando e sem perspectiva de um futuro promissor.   Ficam  presas a tarefas intermináveis; quando não estão trabalhando surgem as perguntas: por que não faz alguma coisa? Está aí parada “com a cabeça na lua”.

            As ilustrações para esta parte da história apresentam mulheres e meninas executando trabalhos pesados – carregam cestos de frutas na cabeça, puxam água nos  poços, tratam de gado, colocam sementes na terra.

            E surge uma imagem poética nas últimas páginas do livro que transcrevemos:
            “Acho que ela (a menina) é como um passarinho delicado dentro de uma gaiola invisível. Se alguém abrisse a porta, talvez ela voasse em liberdade. Ou talvez hesitasse, sem saber para onde ir.”

            A história continua... com outras meninas encontradas no caminho para Chennai, eu fico por aqui.

            A respeito desse livro, Gita Wolf assim se expressa:

“O livro de Amrita é tanto um tribulo à criatividade e ao autoconhecimento das mulheres quanto um incentivo à mudança e à sua autonomia.”
A artista fala sobre vida das mulheres na Índia, a luta pela igualdade social em uma sociedade patriarcal, as dificuldades de uma infância pobre e outros assuntos pertinentes às mulheres, não só na Índia, mas em muitos outros países. Amrita se utiliza de belas palavras e imagens e deixa transparecer um halo de esperança para os dias vindouros.

 Repetimos Drummond:
“Dias melhores virão”.  



sábado, 9 de janeiro de 2016

Histórias de livros e leituras

                                    Histórias de livros e de leituras
(Neide Medeiros Santos – Leitora –Votante da FNLIJ/PB)

            A leitura desperta curiosidades, amplia a ideia sobre o mundo e nos torna críticos diante da realidade.
            (A aventura da leitura. “Para gostar de ler. Histórias sobre leituras: livros e leitores”. Ed. Ática).

            Na comemoração dos 50 anos da editora Ática, foi lançado o 50º. volume da série “Para Gostar de Ler” com histórias de livros e de leituras. Para integrar essa coletânea, foram convidados os seguintes escritores: Marina Colasanti, Ana Maria Machado, Moacyr Scliar, Paulo Mendes Campos, Valéria Piassa Polizzi, Índigo, Márcia Kupstas, Ivan Jaf, Ricardo Azevedo, Carolina Maria de Jesus, Maria José Dupré.

Adquiri, há alguns anos, os cinco primeiros volumes dessa coleção, depois o 37º, agora recebo o 50º. “Para Gostar de Ler” começou com uma seleção de crônicas de escritores consagrados, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. O volume 37º apresentava textos de sabor memorialista, até no título: “Já não somos mais crianças”. Além dos nomes de autores brasileiros conhecidos do público, entre eles Machado de Assis, Osman Lins, figuravam autores estrangeiros e citamos Alphonse Daudet. Katherine Mansfield e Mark Twain.

            A edição comemorativa dos 50 anos seguiu uma linha diferente. Com uma rica variedade de gêneros e autores, cada escritor escreveu sobre sua vivência com os livros e a leitura de modo bem espontâneo, sem amarras e sem regras prefixadas. Foram coletados excertos de livros de crônicas, de poesia, de romances, de contos.

            Vamos empreender uma breve viagem por esses textos.
            Marina Colasanti escreveu um poema curtinho “Rumo nem sempre a prumo” que descreve, de modo muito sintético, as brincadeiras da infância, culminando com a referência à leitura.

            Ana Maria Machado apresentou um fragmento do livro “Amigos Secretos”, um texto juvenil que intertextualiza com os personagens do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato.

            O texto selecionado de Moacyr Scliar é um excerto do romance juvenil “Ciumento de carteirinha” que está interligado a Dom Casmurro, Scliar era profundo admirador do “Bruxo do Cosme Velho” e escreveu romances juvenis tomando como ponto de partida livros de Machado de Assis.

            Paulo Mendes Campos, que já aparecia nos primeiros livros da coleção “Para gostar de ler”, comparece nesta edição com o texto “Para Maria da Graça” que é uma espécie de carta para a menina/moça que acabou de completar quinze anos.  A carta vai acompanhada de um livro – “Alice no país das maravilhas”.
    
            “O gato de livros” foi escrito por Valéria Piassa Polizzi e conta a história de uma gata que mora em uma biblioteca. De tanto conviver com livros, ela aprende a gostar de certos autores e demonstra preferências por Machado de Assis, Clarice Lispector, Cecília Meireles e até por autores estrangeiros, como Kafka. É uma gatinha intelectual.

            Índigo inicia seu texto tentando descobrir quem são seus leitores e não sabendo como responder apresenta diversos tipos de leitores. Será que algum dos tipos elencados se enquadraria como leitor da escritora Índigo?  Não sabemos. Leiam “Dissecando leitores” e tirem suas conclusões.
 
            “O livro de Lívia”, de Márcia Kupstas, foi escrito especialmente para esta coletânea.  É um texto mais longo, um conto cheio de surpresas e a presença de um livro que atua como protagonista da história.  No decorrer da narrativa, sente-se a importância do livro na vida das pessoas.

            Ivan Jaf avança no tempo e traz um conto que se passa em 2.067. O título do texto,“ O caçador de livros”, já prenuncia o que nos espera. É uma ficção científica que mescla futuro com passado e guarda afinidades com o romance de Umberto Eco – “O nome da rosa”.

            O texto de Ricardo Azevedo, “Perdido nas brenhas de um mataréu despovoado”, é um excerto do livro “Fragosas brenhas do mataréu” que ganhou em 2014 o prêmio Jabuti de Melhor Livro Juvenil. O narrador volta ao passado e um viajante do século XV empreende uma viagem pela mata e relembra os livros de que já leu, não eram muitos, apenas dez, mas, numa época de poucos livros, sentia-se um privilegiado.

            “O livro é a melhor invenção do homem” foi escrito por Carolina Maria de Jesus e a escolha desse título se deveu aos editores. A frase que dá título ao texto é da própria Carolina e foi pinçada do livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”. E leiam as palavras que encerram o texto: “Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem”.

            Nos anos 1940/1950, as crianças e os jovens liam muito os livros de Maria José Dupré,  Sra. Leandro Dupré, como era mais conhecida nos meios literários. O maior sucesso dessa autora veio com o livro “Éramos seis” que foi adaptado para novela na TV e alcançou grande sucesso.  “Todos os caminhos conduzem ao fim” foi selecionado para integrar essa coletânea, é um verdadeiro percurso autobiográfico pelos caminhos literários da autora. Como leitora dos livros da Sra. Leandro Dupré, gostei muito desse texto e espero que os leitores de ontem e de hoje também gostem.

            Será que contei tudo? Não, procurei apenas despertar a curiosidade dos leitores com pequenos fragmentos dos textos que estão dentro deste livro. Iniciei a viagem, caberá ao leitor dar prosseguimento e concluí-la.
       
                        NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS
            Natal – presente de livros.
            Esta edição irá circular na véspera de Natal, 24 de dezembro, e ainda há tempo para o leitor ir correndo à livraria e comprar presente de livros para os amigos, familiares, para aquele aluno que é um leitor voraz e até para aquele que lê esporadicamente; quem sabe se um bom livro não irá torná-lo um leitor cativo!  As nossas indicações da semana estão condizentes com o espírito natalino.

            CRIANÇA:
            Napoleão Laureano em quadrinhos. Manoel Jaime. Il. Daniel Ferreira. Ed. Patmos, 2015.
            Este foi o último livro lançado em 2015 da série “Primeira Leitura” e conta a vida e a luta do médico Napoleão Laureano em prol das pessoas acometidas por câncer. Sua vida, como bem afirma Dr. André Theobald, Presidente da Energisa, “é uma história de resistência, é lição de heroísmo para não ser esquecida.”.

            JOVEM:
            Setembrices e outros resquícios de revolução. Analice Chaves. Ed. A União, 2015.
            Conheci Analice nos saraus literários do Pôr do Sol Literário, recitando o bonito poema “Setembrices” nos jardins da Academia Paraibana de Letras e pensei – aí está uma futura poeta. Além da beleza do poema, havia toda expressividade da autora recitando seu próprio texto. Analice é muito jovem, tem apenas dezessete anos, gosta muito de escrever e de recitar.  Nesse livro, estão reunidos poemas e textos em prosa poética. “Setembrices” relembra primavera e muitos textos estão associados à natureza, ao florescer da vida, ao amarelo dos ipês que colorem a cidade de João Pessoa.

            ADULTO:
            Abraços. Arriete Vilela. Gráfica e Editora Poligraf. Maceió, 2015.
            Arriete é alagoana de Marechal de Deodoro, estudou na UFPB e tem estreitos vínculos com a cidade de João Pessoa. Aqui lançou vários livros, é poeta da estirpe de Jorge de Lima. Como presente de Natal, recebi da autora o bonito, pequenino e precioso livro de poesia – “Abraços”. E como estamos em tempo de abraços, indico este livro para os leitores amantes da boa poesia.  Concluo as indicações da semana com esses versos de Arriete:
            O teu abraço:
            delicadeza
            em que teço
            uma alma nova.

            Quase alegre

            quase bem-aventurada.