quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Machado de Assis - do século XIX para o século XXI


            Machado de Assis – do século XIX para o século XXI
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

                        Em certa casa da Rua Cosme Velho
                        (que se abre no vazio)
                        venho visitar-te; e me recebes
                        na sala trastejada com simplicidade.
                        (...)
                        (Carlos Drummond de Andrade. A um bruxo com amor).

            Machado de Assis faleceu nas primeiras décadas do século XX (1908). Muitos dos seus livros (romances, contos, crônicas, poesia, teatro) foram publicados nos últimos anos do século XIX, mas quase tudo que o “Bruxo do Cosme Velho” escreveu continua atual. Podemos comprovar essa afirmativa pela publicação recente de dois livros organizados, respectivamente, por Luiz Antonio Aguiar – “O Mínimo e o Escondido: Crônicas de Machado de Assis” (Melhoramentos, 2015) e por Ninfa Parreiras – “Mapas Literários: o Rio em histórias” (Ed. Rovelle, 2015).  Esses livros são endereçados aos jovens.

            Luiz Antonio Aguiar é estudioso da obra de Machado de Assis e sempre descobre tesouros escondidos na vasta produção literária deste escritor que  não envelhece nunca;  seus textos são revisitados com frequência por Luiz Antonio, organizador do livro “Almanaque Machado de Assis: vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias” (Ed. Record, 2008), uma valiosa contribuição para a fortuna crítica machadiana. Em 2009, este livro ganhou  o Prêmio de Melhor Livro Informativo da FNLIJ.  Agora, estamos diante de uma seleção de crônicas pouco divulgadas e vêm acompanhadas de comentários e explicações. São trinta textos que nos transportam ao conceito de Ezra Pound, expresso no livro “ABC da Literatura”:  “Literatura é linguagem carregada de significado”.  Pois bem, essas crônicas machadianas  às vezes  adquirem um matiz de contos e foram escritas com uma linguagem carregada de significados.

            Ninfa Parreiras organizou uma coletânea que tem como personagem principal uma cidade – o Rio de Janeiro. Ao lado de Joel Rufino dos Santos, Marina Colasanti, Nei Lopes e muitos outros cronistas que louvaram o Rio desponta Machado de Assis com o conto “Mariana”. A leitura desse texto vem comprovar, mais uma vez,  que estamos diante de um escritor que sabe utilizar   as palavras com mestria,  principalmente quando se trata de prosa.

            A ironia é um dos traços marcantes nos escritos machadianos.  Selecionamos a crônica “Regulamento dos bondes” (In: “O Mínimo e o Escondido”) que evidencia essa característica sempre presente.

  “Regulamento dos bondes” foi publicada em 4 de julho de 1883. O bonde era o transporte mais utilizado no Rio nesse período. O cronista dá sugestões hilárias para os usuários e enumera dez artigos  para disciplinar os bons modos dos passageiros.  O Art. I refere-se às pessoas acometidas por gripes (os encatarroados). Segundo o cronista, eles só podem tossir três vezes durante o percurso da viagem e se a tosse persistir devem adotar duas soluções: descerem do “bond” e prosseguir a viagem a pé, o que é um bom exercício, ou meterem-se na cama. O Art. VII trata das conversas em voz alta entre duas pessoas que viajam no mesmo “bond”. A conversa deve se limitar a quinze ou vinte palavras no máximo, e nunca fazer referências maliciosas, principalmente se houver senhoras. 

Nesse caso, a ironia se revela contra os maus modos dos passageiros: a solução proposta para evitar a transmissão de perdigotos àqueles que não estão “encatarroados” e o limite de palavras utilizadas nas conversas em voz alta -  não deve ultrapassar o número vinte.   Vale a pena ler a crônica toda e desfrutar da ironia que perpassa pelo  texto.

Ninfa Parreiras selecionou o conto “Mariana” ( In: “Mapas Literários: o Rio em histórias”) que se encontra no livro “Várias histórias”, publicado em 1896. Durante sete anos (1884-1891), Machado de Assis escreveu contos que foram divulgados no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro.  “Mariana” traz a data de 1891.

A leitura desse conto proporciona um passeio pelas ruas do Rio antigo e uma investigação sobre os sentimentos dos seus protagonistas – Evaristo e Mariana. Machado não se limita a descrever os personagens, ele vai além, o que interessa para este contista é o que se passa no interior desses “seres de papel”, criados por quem sabe realmente estabelecer um jogo psicológico entre os sentimentos de seus  personagens.

Vamos ao cerne do conto. Depois de dezoito anos de ausência do Rio de Janeiro, Evaristo retorna  e sente o desejo de rever uma antiga namorada – Mariana. Foi informado por um amigo que está casada com Xavier e que o marido passa por sérios problemas de saúde. Resolve, então, visitar aquela que nos anos da juventude povoou seus sonhos de rapaz.

A visita acontece. Ao chegar à casa de Mariana é recebido por um criado, identifica-se e espera pela chegada da ex-namorada. Não sabemos o tempo que demorou, enfim estamos no tempo psicológico e essa espera pode parecer uma eternidade. Esse momento sagrado proporciona a Evaristo o prazer de admirar, pendente da parede, por cima do canapé, o retrato de Mariana. Era uma pintura da jovem aos vinte e cinco anos, fase do namoro entre os dois. E vem a observação do narrador onisciente: “O tempo não descolara a formosura. Mariana estava ali, trajada à moda de 1865, com seus lindos olhos redondos e namorados.” (p. 126). Quanto tempo durou essa contemplação?  Não sabemos, mas foi o tempo suficiente para Evaristo navegar nas águas do passado e pressentir que Mariana descera da tela e da moldura e tinha vindo sentar-se junto ao ex-namorado. O que se segue é inusitado.   Machado estaria antecipando o realismo mágico?  Deixamos a resposta com o leitor. 
    
A denominação dada a Machado de Assis – o “Bruxo do Cosme Velho” se enquadra muito bem com o que ele representa na literatura brasileira – é realmente um bruxo no bom sentido – aquele  que é capaz de escrever sobre acontecimentos não imaginados pela lógica humana.  Relembremos “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

O livro organizado por Ninfa Parreiras esconde outros segredos. O texto de Agostinho Ornellas é totalmente visual, vem representado por aquarelas das ruas e dos pontos turísticos do Rio de Janeiro. No conto “Mariana”,  Machado nos proporcionou  um passeio imaginário pelas ruas antigas do Rio;  Agostinho Ornellas faz um passeio pelo  Corcovado, Pão de Açúcar, Jardim Botânico, coisas do passado que permanecem no presente.

No mês que se comemora o Dia do Professor (15 de outubro) e Dia Nacional do Livro (29 de outubro), desejamos uma boa viagem através da leitura desses dois livros na companhia de um escritor que atravessa os séculos e permanece sempre novo.  
                  
NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS
DIA DO PROFESSOR

No dia 15 de outubro, foi dia do Professor e para saudar aqueles que têm a nobre missão de trazer conhecimentos, de educar, de formar leitores,  recorremos à professora e poeta chilena, Gabriela Mistral, com um pequeno excerto do seu belo poema em prosa “Oração da Mestra”:


“Senhor! Tu que ensinaste, perdoa-me se eu ensino, se levo o nome de Mestre que levaste na terra. Concede-me o amor único da minha escola, que nem o sortilégio da beleza seja capaz de roubar-lhe minha ternura de todos os dias. Mestre, faz perdurável a minha paixão, e passageiro o desencanto.”  

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