segunda-feira, 9 de março de 2015

Histórias brasileiras de cães

Histórias brasileiras de cães
            ( Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)


            O fato de o cão ser fiel ao homem não quer dizer que ele aprove as ações do dono.
            ( Carlos Drummond de Andrade. In: Histórias brasileiras de cães)


            Rogério Ramos, neto de Graciliano Ramos, sempre gostou de animais e organizou a antologia “Histórias brasileiras de cães” (Ed. Positivo, 2014). O livro recebeu bonitas e delicadas ilustrações de Lelis.

            Neste livro, encontram-se dezoito textos que compreendem   fragmentos de romances – “”Quincas Borba, o cão”, de Machado de Assis,  “Baleia”, de Graciliano Ramos,  contos “Firififi”, de Dalton Trevisan e a crônica saborosa de Rubem Braga – “Lembrança de Zig”.
   
O organizador da antologia afirma que é muito comum a publicação de bestiários nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil são encontrados apenas “esporádicas coletâneas genéricas de tema animal”.

A leitura desses textos demonstra que alguns cães, retratados de forma real ou ficcional, se tornaram verdadeiros personagens irresistíveis, como aconteceu com o cão Quincas Borba, de Machado de Assis, e Baleia, de Graciliano Ramos.  O retrato físico e psicológico desses animais é tão real que integram  a galeria de grandes personagens da literatura brasileira, ao lado de Capitu ( Machado de Assis) e Fabiano  (Graciliano Ramos).
 
Rogério Ramos selecionou o capítulo XXVII do romance “Quincas Borba”. Neste capítulo, Rubião trata o cachorro Quincas Borba ( nome do antigo dono) geralmente com rispidez, foi uma herança deixada pelo antigo dono.   O narrador analisa os sentimentos do cachorro nas situações de mau humor de Rubião, muitas vezes o cão é escorraçado com um tabefe e reconhece a sua insignificância.

Graciliano Ramos era considerado um homem amargo, taciturno, mas no romance “Vidas Secas”, no capítulo dedicado à Baleia,  apresenta-nos a cachorrinha como uma “criaturinha”  dotada de sentimentos humanos. Foi esse capítulo selecionado pelo organizador da antologia.

Baleia não compreende que está doente e deve morrer, vê apenas as pessoas que ama e não desconfia a proximidade de seu fim.  A descrição da doença de Baleia, os preparativos para sua execução, o temor dos filhos de Fabiano,  tudo é detalhado minuciosamente com grande dose de poeticidade.  Neste capítulo, vamos encontrar um narrador muito humano, excessivamente humano. 

 Dalton Trevisan presenteia os leitores com a história de “Firififi”, uma cadelinha “pequinesa” que acompanha a vida de uma  menina e faz mil estripulias na casa. A menina cresce, torna-se uma mocinha e Firififi está velhinha, agora tem onze anos e não deve durar muito. Os interesses da dona são outros – namorado, faculdade  e Firififi curte sua velhice esquecida em um canto da sala, aguardando a indesejada das gentes.

 Rubem Braga, o inesquecível cronista, comparece com a crônica “Lembrança de Zig”. Zig não era um cachorrinho pequeno, era um “cachorrão” e detestava pessoas com farda. O carteiro foi obrigado a deixar a correspondência na casa da vizinha, não podia vê-lo que corria para abocanhá-lo. Tinha um costume esquisito, gostava de frequentar a igreja, isso porque aos domingos a dona da casa ( a mãe do cronista)  ia à missa,  e bastava um pequeno descuido, portão aberto ou mal fechado,  e Zig aparecia na igreja inspirando medo às velhinhas com seu tamanho descomunal.
 
Ouvi, certa vez, a emocionante história de Tina, uma cadela da raça boxer que morreu com nove anos, idade considerada velha para essa raça.  Tina vivia presa no quintal. A dona dava comida e água todos os dias. Latia, com satisfação, quando via a menina,  abanava o rabo demonstrando alegria mas nunca entrou  dentro de casa, desconhecia os cômodos. Era uma casa grande com primeiro andar. Na parte térrea, ficavam as salas, cozinha, banheiro social; no pavimento superior, os quartos.

Um dia Tina adoeceu, a menina, agora uma mocinha de 16 anos, levou-a ao veterinário, estava com um caroço na perna e veio o diagnóstico: era um câncer. Tina foi operada, recuperou-se por uns tempos, mas o veterinário avisou – o câncer poderia voltar. Depois de seis meses, Tina começou a emagrecer, já não queria comer, beber água não podia, a dona voltou ao veterinário e veio a triste noticia – Tina estava com metástase, teria poucos dias de vida. E veio a pergunta: “Quer sacrificar a cadela?” “Não. Prefiro ficar com ela em casa até que a morte venha buscá-la.”

Certo dia, a moça ouviu passos arrastados na escada. Era manhã cedo e estava ainda deitada na cama. Teve uma surpresa quando viu Tina aos pés da sua cama, duas grossas lágrimas saíram dos seus olhos, deitou-se e ali, aos pés  de sua dona, deu o derradeiro suspiro.

Essas histórias de cães vêm mescladas com realidade e ficção. Quincas Borba, Baleia e Firififi não existiram, mas Zig e Tina participaram da vida do cronista Rubem Braga  e da vida da pessoense Talita.

NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS

NOTÍCIAS DA FNLIJ

A escritora Marina Colasanti e a ilustradora Ciça Fittipaldi são candidatas ao Prêmio Hans Christian Andersen – 2016 . A primeira na categoria de escritora, a segunda como ilustradora. Lembramos que o Brasil já conquistou três prêmios Andersen ( Nobel da Literatura Infantil) com as escritoras – Lygia Bojunga Nunes (1982), Ana Maria Machado (2000). Em 2014,  Roger Mello foi o vencedor na categoria de ilustrador. Isso demonstra a grande importância da literatura infantil brasileira.  Dentro de trinta  anos,  três prêmios conquistados.  E registramos o desabafo de Ana Maria Machado – reclamam que os escritores brasileiros nunca conquistaram o Nobel de Literatura e se esquecem de que o  Andersen já foi atribuído a três brasileiros. É a velha história – literatura infantil é literatura para pequenos. Falso engano – a literatura infantil deve e tem que ser melhor do que a literatura escrita para adultos. É a literatura que forma leitores. Vejam que missão importante – formar leitores. Valorizemos a boa literatura feita para crianças e jovens.    


( Publicado no jornal “Contraponto”, Paraíba, 06 de março de 2015, B-2)