sábado, 21 de novembro de 2015

Duas histórias de Malala

            Duas histórias de Malala
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante da FNLIJ/PB)

            Se os Estados Unidos gastassem menos dinheiro em armas e guerras e mais em educação, o mundo seria um lugar melhor.
            (Palavras de Malala ao Presidente Barack Obama)

A Companhia das Letrinhas e a editora Seguinte que integram o grupo da Companhia das Letras publicaram dois livros sobre Malala em 2015.  “Malala, a menina que queria ir para a escola” (Companhia das Letrinhas, 2015), foi escrito pela jornalista Adriana Carranca e recebeu ilustrações de Bruna Assis Brasil. “Eu sou Malala: Como uma garota defendeu o direito à educação e mudou o mundo” (Ed. Seguinte, 2015), de Malala Yousafzai com Patrícia McCormick, é uma autobiografia de Malala escrita especialmente para o público juvenil.  O primeiro livro se destina ao público infantil, é sobre este livro que teceremos nossas considerações, a autobiografia ficará para outra oportunidade.

Adriana Carranca, autora do texto infantil, é jornalista de “O Estado de S.Paulo” e escreve principalmente sobre conflitos, tolerância religiosa e direitos humanos, tem um olhar voltado para a condição das mulheres no mundo atual.  Para escrever este livro, Adriana viajou até o vale de Swat que fica no Paquistão e quis conhecer de perto a história de Malala. Vamos andar pelos caminhos percorridos pela jornalista e saber um pouco mais sobre essa corajosa menina que ousou desafiar os poderosos para ter direito à educação.

   O vale de Swat é uma região muito bonita, com campos verdejantes, cercados por altas montanhas pintadas de neve durante quase todas as estações. É nesse local privilegiado pela natureza que vivem há mais de 2 mil anos os pashtus, como Malala. Ela nasceu na cidade de Mingora e queria estudar, o que é proibido para meninas sob o regime dos talisbãs, mas seu pai  era professor e pensava diferente, ele queria que a filha estudasse e ela frequentava a escola do pai.

Há um detalhe curioso nas sociedades patriarcais do sul da Ásia, como o Paquistão, a chegada de um menino é motivo de festa, comemorações. Quando nasce uma menina, os pais não anunciam nem festejam, muitas  meninas não têm  registro de nascimento,  oficialmente não existem. Isso não aconteceu com Malala, seu pai, o professor Ziauddin, era um homem muito justo e dava à filha os mesmos direitos proporcionados aos filhos homens, Atal e khushal.  E a pequena, antes mesmo de saber ler e escrever, assistia às aulas do pai infiltrada entre os alunos mais velhos.

Adriana ouviu um depoimento das colegas de escola de Malala e elas disseram que “ela era a mais sabida, a mais valente, a mais falante” e desde pequena gostava de discursar como gente grande. Nesse ponto, parecia com o “menino maluquinho”. Destacava-se como aluna exemplar em todas as disciplinas, mas tinha predileção por poesia – recitava poemas em várias línguas e já dominava o inglês.

Homens barbudos e com cara de poucos amigos começaram a aparecer no vale, eram os talibãs, homens terríveis, proibiam as mulheres de sair de casa e as meninas de irem para a escola. A chegada dos talibãs mudou completamente a vida no vale Swat, até a música foi banida e o vale emudeceu e ficou triste.

            Foi nesse período de repressão que Malala começou a escrever um blog. Para não ser reconhecida, adotou o pseudônimo de Gul Makai, heroína do folclore pashtun, que é também o nome de uma linda flor azul. O blog de Malala era escrito em urdu no site da rede de rádio e televisão da BBC na Grã-Bretanha. O primeiro post começava assim: “Estou com medo”. O blog alcançou grande repercussão. Protegida pelo anonimato, ela combatia a guerra e escrevia sobre os problemas das meninas do Paquistão, vítimas da perseguição dos talibãs.

            E veio a ordem dos talibãs – as meninas estavam proibidas de frequentar a escola, caso insistissem eles poderiam mandar as escolas pelos ares. A vida se tornou insuportável no vale. O professor Ziauddin decidiu passar alguns dias fora da cidade onde viviam com a família. Houve um certo tempo de paz, os talibãs se refugiaram nas montanhas e as pessoas puderam voltar para suas casas.

            Um dia, quando voltava da escola com colegas na condução escolar, um rapaz que estava em uma moto interceptou o ônibus e perguntou: “Qual de vocês é Malala?” As colegas ficaram caladas, mas dirigiram o olhar para Malala e ele reconheceu a mocinha (ela estava com 14 anos)  e atirou três vezes na sua direção. Os tiros atingiram Malala e duas amigas que tiveram ferimentos leves.  Malala foi atingida na cabeça e como conseguiu sobreviver é difícil de explicar, passou quatro meses hospitalizada, fez várias operações, recuperou-se e não perdeu sua capacidade de lutar pelos direitos das meninas à educação.

            E sabem qual foi o primeiro pedido que Malala fez quando recuperou a consciência?  “Livros. Eu quero livros”.

            Adriana Carranca pesquisou toda a história de Malala, visitou a casa, o quarto onde ela viveu. Nessa visita ela contou sempre com a companhia e explicações das ex-colegas. Atualmente, Malala mora com sua família na cidade inglesa de Birmingham, na Inglaterra. Por sua bravura, por seu trabalho pela educação,  ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2014. Foi a mais jovem ganhadora do Prêmio da Paz.

            A bonita e comovente história dessa corajosa menina foi ilustrada por Bruna Assis Brasil. Com traço sutil e ilustrações de Malala e de suas colegas que mais parecem marioscas, Bruna deu mais beleza ao texto. 

( Texto publicado no jornal "Contraponto", 20 a 26 de novembro de 2015, Caderno B, B-2) 



            COLUNA DA CRIANÇA

           O jornal “Contraponto” conta agora com uma nova coluna – “Coluna da Criança” que veio complementar o trabalho que fazemos no mesmo jornal há seis anos com orientações de livros e leituras para crianças e jovens. A nossa coluna “Livros &Literatura” é mais dirigida aos pais e professores, incentivando-os a comprar bons livros para os filhos e alunos. Lembramos que, durante dez anos (1992-2002), a professora e historiadora Yolanda Limeira (Yó Limeira) foi editora do jornal “Correinho das Artes”, publicando textos e ilustrações dos alunos das escolas públicas e particulares de João Pessoa. Yó fazia uma verdadeira peregrinação pelas escolas, levando textos e livros de poetas e escritores paraibanos. Nessa sua peregrinação, apresentou  na Escola Catavento (de saudosa memória), o conto da tradição popular “A menina dos cabelos verdes” e os alunos fizeram ilustrações para este conto, deram opiniões sobre a história, tudo isso está registrado no “Correinho das Artes” e no livro “Guriatã: uma viagem mítica ao país-paraíso”. Quando o “Correinho das Artes” se findou, infelizmente, as coisas lindas também se findam, como diz Drummond, ela criou a revista “Verdes Anos”, novamente voltada para o público infantojuvenil e com a mesma proposta do “Correinho das Artes.” A revista era trimestral e teve vida mais efêmera, durou apenas três anos. Assim, ao ler a “Coluna da Criança” que procura valorizar o trabalho literário desenvolvido por crianças que estão descobrindo o mundo encantado dos livros, revivemos o tempo do “Correinho das Artes”


            Durante todos esses anos ( 1992-2002) ( 2003-2006),  colaboramos com Yó, tanto no “Correinho das Artes” como na revista “Verdes Anos”. Escrevíamos uma coluna com dicas de leitura para crianças e jovens. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Drummond para todos

                        DRUMMOND PARA TODOS
            (Neide Medeiros Santos - Leitora Votante FNLIJ/PB)

                        Se eu morrer, morre comigo
                        um certo modo de ver.
                        Tudo foi prêmio do tempo
                        e no tempo se converte.
                        (Carlos Drummond de Andrade. Desfile. In: A Rosa do Povo)

            Recebi da Editora Companhia Das Letras o livro “Nova Reunião: 23 livros de poesia” (2015), de Carlos Drummond de Andrade. É tanta poesia que não houve espaço para prefácio, apresentações, textos críticos, é poesia, da primeira até a última página e são mais de 900 páginas, poesia para “inundar a vida inteira”.

            Este ano completa 70 anos da publicação do livro “A Rosa do Povo”, o mais político de todos os livros de Drummond e um livro considerado marco na literatura brasileira. Nesta edição de 2015 se encontram todos os poemas que integram este livro.

            Para marcar os setenta anos da publicação do livro “A Rosa do Povo”, a TV. Senado apresentou no dia 31 de outubro o documentário “Drummond: Poeta do Vasto Mundo”, com a participação de professores, críticos literários que emitiram  opiniões sobre a poesia de Drummond. O documentário contou ainda com atores e declamadores recitando os poemas mais expressivos do poeta. Este documentário está disponível na internet. Vale a pena conferir.
  
            Em 1969, Drummond publicou “Reunião” em um único volume que reunia dez livros. Em 1983, surgiu “Nova Reunião”, com dezenove títulos, esta agora em 2015 é mais completa, são 23 livros, sendo que dezesseis com todos os poemas e sete com seleção dos melhores poemas dos últimos livros do poeta.

             Em uma nota sucinta,  os editores afirmam que na língua inglesa existe a figura do “portable”, o livro que reúne o melhor da produção de um determinado autor e consideram que “Nova Reunião: 23 livros de poesia” é o Drummond portátil para “leitores brasileiros de todas as idades”.

            Mas o que destacar nessa coletânea de 23 livros de Drummond?

            Em primeiro lugar, louvar a iniciativa de editora Companhia Das Letras por trazer uma antologia quase completa da poesia drummondiana; ressaltar que este livro traz uma contribuição valiosa para compreender as várias fases da poesia de Drummond, afinal foram mais de cinquenta anos escrevendo e divulgando poesia; proporcionar aos alunos de nível médio e universitário um melhor conhecimento da poesia do poeta mineiro. Como a coletânea reúne muitos livros, o leitor pode acompanhar a trajetória do poeta desde os anos 1930 até 1986.  

            A leitura integral dos poemas permite detectar vários eus do poeta e citamos: o lírico, o político, o dramático, o metafísico, o sensual, o irônico. Vamos destacar, com citação de excertos dos poemas, a manifestação de algumas dessas modalidades poéticas.

            “A casa do tempo perdido” se encontra em um dos últimos livros publicados por Drummond – “Farewell” e a leitura desse poema nos transporta ao Centro Histórico de João Pessoa com muitas casas abandonadas.

            Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
            Bati segunda vez e outra mais e mais outra.
            Resposta nenhuma.
 A casa do tempo perdido está coberta de hera
            pela metade; a outra metade são cinzas.
            (...)
             “Caso do vestido”, inserido em “A Rosa do Povo”, é um texto cheio de diálogos entre uma mãe e as filhas, prestando-se muito bem para a representação, mas há vários outros poemas de Drummond que parecem que foram feitos para o teatro. “Morte do leiteiro” é outro bom exemplo de texto dramático.

            Na área da literatura infantil, é possível pinçar vários poeminhas curtos que serão bem aceitos pelas crianças. No livro “Boi Tempo”, citamos, entre outros, “Cantiguinha”, “Orion”, “Concerto”, “Visita à casa de Tatá”.

 “O Elefante” integra os poemas de “A rosa do povo”, não foi escrito para crianças, abrange discussões bem profundas com relação aos problemas de incertezas de um mundo conturbado por guerras (foi publicado em 1945) e foi apresentado como poema infantil, uma publicação da Record e contou com belas ilustrações de Regina Vater.  Não houve adaptação do texto, ele está integral e as crianças podem não alcançar o significado do poema, mas sentem a beleza dos versos. As crianças gostam de histórias de animais e o elefante é apresentado de modo tão espontâneo, cheio de “doçura”, que elas se sentem cativadas pelo poema.


Tenho como livro de estimação “Poesia completa e prosa”, de Carlos Drummond de Andrade, uma edição da Aguilar de 1973, adquirido em um sebo, mas com aspecto de novo.  É livro antigo com cheiro de antiguidade, agora arranjou um companheiro que foi muito bem-vindo.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Machado de Assis - do século XIX para o século XXI


            Machado de Assis – do século XIX para o século XXI
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

                        Em certa casa da Rua Cosme Velho
                        (que se abre no vazio)
                        venho visitar-te; e me recebes
                        na sala trastejada com simplicidade.
                        (...)
                        (Carlos Drummond de Andrade. A um bruxo com amor).

            Machado de Assis faleceu nas primeiras décadas do século XX (1908). Muitos dos seus livros (romances, contos, crônicas, poesia, teatro) foram publicados nos últimos anos do século XIX, mas quase tudo que o “Bruxo do Cosme Velho” escreveu continua atual. Podemos comprovar essa afirmativa pela publicação recente de dois livros organizados, respectivamente, por Luiz Antonio Aguiar – “O Mínimo e o Escondido: Crônicas de Machado de Assis” (Melhoramentos, 2015) e por Ninfa Parreiras – “Mapas Literários: o Rio em histórias” (Ed. Rovelle, 2015).  Esses livros são endereçados aos jovens.

            Luiz Antonio Aguiar é estudioso da obra de Machado de Assis e sempre descobre tesouros escondidos na vasta produção literária deste escritor que  não envelhece nunca;  seus textos são revisitados com frequência por Luiz Antonio, organizador do livro “Almanaque Machado de Assis: vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias” (Ed. Record, 2008), uma valiosa contribuição para a fortuna crítica machadiana. Em 2009, este livro ganhou  o Prêmio de Melhor Livro Informativo da FNLIJ.  Agora, estamos diante de uma seleção de crônicas pouco divulgadas e vêm acompanhadas de comentários e explicações. São trinta textos que nos transportam ao conceito de Ezra Pound, expresso no livro “ABC da Literatura”:  “Literatura é linguagem carregada de significado”.  Pois bem, essas crônicas machadianas  às vezes  adquirem um matiz de contos e foram escritas com uma linguagem carregada de significados.

            Ninfa Parreiras organizou uma coletânea que tem como personagem principal uma cidade – o Rio de Janeiro. Ao lado de Joel Rufino dos Santos, Marina Colasanti, Nei Lopes e muitos outros cronistas que louvaram o Rio desponta Machado de Assis com o conto “Mariana”. A leitura desse texto vem comprovar, mais uma vez,  que estamos diante de um escritor que sabe utilizar   as palavras com mestria,  principalmente quando se trata de prosa.

            A ironia é um dos traços marcantes nos escritos machadianos.  Selecionamos a crônica “Regulamento dos bondes” (In: “O Mínimo e o Escondido”) que evidencia essa característica sempre presente.

  “Regulamento dos bondes” foi publicada em 4 de julho de 1883. O bonde era o transporte mais utilizado no Rio nesse período. O cronista dá sugestões hilárias para os usuários e enumera dez artigos  para disciplinar os bons modos dos passageiros.  O Art. I refere-se às pessoas acometidas por gripes (os encatarroados). Segundo o cronista, eles só podem tossir três vezes durante o percurso da viagem e se a tosse persistir devem adotar duas soluções: descerem do “bond” e prosseguir a viagem a pé, o que é um bom exercício, ou meterem-se na cama. O Art. VII trata das conversas em voz alta entre duas pessoas que viajam no mesmo “bond”. A conversa deve se limitar a quinze ou vinte palavras no máximo, e nunca fazer referências maliciosas, principalmente se houver senhoras. 

Nesse caso, a ironia se revela contra os maus modos dos passageiros: a solução proposta para evitar a transmissão de perdigotos àqueles que não estão “encatarroados” e o limite de palavras utilizadas nas conversas em voz alta -  não deve ultrapassar o número vinte.   Vale a pena ler a crônica toda e desfrutar da ironia que perpassa pelo  texto.

Ninfa Parreiras selecionou o conto “Mariana” ( In: “Mapas Literários: o Rio em histórias”) que se encontra no livro “Várias histórias”, publicado em 1896. Durante sete anos (1884-1891), Machado de Assis escreveu contos que foram divulgados no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro.  “Mariana” traz a data de 1891.

A leitura desse conto proporciona um passeio pelas ruas do Rio antigo e uma investigação sobre os sentimentos dos seus protagonistas – Evaristo e Mariana. Machado não se limita a descrever os personagens, ele vai além, o que interessa para este contista é o que se passa no interior desses “seres de papel”, criados por quem sabe realmente estabelecer um jogo psicológico entre os sentimentos de seus  personagens.

Vamos ao cerne do conto. Depois de dezoito anos de ausência do Rio de Janeiro, Evaristo retorna  e sente o desejo de rever uma antiga namorada – Mariana. Foi informado por um amigo que está casada com Xavier e que o marido passa por sérios problemas de saúde. Resolve, então, visitar aquela que nos anos da juventude povoou seus sonhos de rapaz.

A visita acontece. Ao chegar à casa de Mariana é recebido por um criado, identifica-se e espera pela chegada da ex-namorada. Não sabemos o tempo que demorou, enfim estamos no tempo psicológico e essa espera pode parecer uma eternidade. Esse momento sagrado proporciona a Evaristo o prazer de admirar, pendente da parede, por cima do canapé, o retrato de Mariana. Era uma pintura da jovem aos vinte e cinco anos, fase do namoro entre os dois. E vem a observação do narrador onisciente: “O tempo não descolara a formosura. Mariana estava ali, trajada à moda de 1865, com seus lindos olhos redondos e namorados.” (p. 126). Quanto tempo durou essa contemplação?  Não sabemos, mas foi o tempo suficiente para Evaristo navegar nas águas do passado e pressentir que Mariana descera da tela e da moldura e tinha vindo sentar-se junto ao ex-namorado. O que se segue é inusitado.   Machado estaria antecipando o realismo mágico?  Deixamos a resposta com o leitor. 
    
A denominação dada a Machado de Assis – o “Bruxo do Cosme Velho” se enquadra muito bem com o que ele representa na literatura brasileira – é realmente um bruxo no bom sentido – aquele  que é capaz de escrever sobre acontecimentos não imaginados pela lógica humana.  Relembremos “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

O livro organizado por Ninfa Parreiras esconde outros segredos. O texto de Agostinho Ornellas é totalmente visual, vem representado por aquarelas das ruas e dos pontos turísticos do Rio de Janeiro. No conto “Mariana”,  Machado nos proporcionou  um passeio imaginário pelas ruas antigas do Rio;  Agostinho Ornellas faz um passeio pelo  Corcovado, Pão de Açúcar, Jardim Botânico, coisas do passado que permanecem no presente.

No mês que se comemora o Dia do Professor (15 de outubro) e Dia Nacional do Livro (29 de outubro), desejamos uma boa viagem através da leitura desses dois livros na companhia de um escritor que atravessa os séculos e permanece sempre novo.  
                  
NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS
DIA DO PROFESSOR

No dia 15 de outubro, foi dia do Professor e para saudar aqueles que têm a nobre missão de trazer conhecimentos, de educar, de formar leitores,  recorremos à professora e poeta chilena, Gabriela Mistral, com um pequeno excerto do seu belo poema em prosa “Oração da Mestra”:


“Senhor! Tu que ensinaste, perdoa-me se eu ensino, se levo o nome de Mestre que levaste na terra. Concede-me o amor único da minha escola, que nem o sortilégio da beleza seja capaz de roubar-lhe minha ternura de todos os dias. Mestre, faz perdurável a minha paixão, e passageiro o desencanto.”  

sábado, 5 de setembro de 2015

Tesouro escondido e descoberto

                        Tesouro Escondido e Descoberto
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            Gosto dos primeiros minutos da manhã, quando tudo na casa é silêncio e os telhados flutuam pela janela.
            (Roseana Murray. O Silêncio dos Descobrimentos)

            A procura de um livro em uma estante pode nos levar a descoberta de um livro esquecido, escondido no meio de muitos outros, isso aconteceu esta semana quando procurava um livro da escritora Vânia Resende e me deparei com “O Silêncio dos Descobrimentos” (Ed. Paulus, 2000), de Roseana Murray e Elvira Vigna. As duas estão reunidas neste livro no ato de escrever. Elvira Vigna vai mais além, escreve e ilustra.

            “O Silêncio dos Descobrimentos” tem o sabor de um livro antigo, um diário manuscrito, todo feito em letra cursiva. Poemas e textos em prosa convivem harmoniosamente e interagem com as ilustrações em preto e branco. 

            Como distinguir de quem é o texto? Os de Roseana Murray são escritos com um tipo de letra grossa, com uma caneta mais carregada de tinta; o de Elvira Vigna com um tipo de letra mais delicado, uma escrita fina.

            São textos e poemas para ler e curtir. Há outros que sugerem a participação do leitor. Nesse último caso, algumas páginas estão em branco e vêm acompanhados de apelos: “Diga quem você é” (p.6); “Faça aqui o mapa da sua geografia em algum momento do passado” (p.12); “Relate aqui um descobrimento seu” (p.14). E seguem-se muitos outros pedidos Depois da leitura desse livro, o leitor pode não se considerar poeta, mas ficará com a certeza de que dialogou com um texto, assumiu uma atitude de “coparticipação”, expressão utilizada por Gaston Bachelard para estabelecer um elo entre autor e leitor.
            Uma epígrafe poética de Elvira Vigna marca a abertura do livro:

            Este livro tem
            poemas,
            anotações,
            imagens de mares,
            ventos, pedras.
            o silêncio de
            todos os
            descobrimentos.

            O primeiro poema do livro é de Roseana Murray - “Me olho no espelho” (p.7) e guarda afinidades com “Retrato”, de Cecília Meireles. Na página anterior a este poema, aparece o convite de Elvira Vigna que exige a primeira participação do leitor: “Diga quem é você” (p.6).

             Roseana Murray é filha de pais poloneses. Lejbus Kligerman e Bertha Kligerman, pais de Roseana, vieram para o Brasil antes da 2ª. Guerra Mundial, fugindo do antissemitismo. No poema da p. 15, Roseana se refere à morte do pai, ao tio que tocava violino em um país distante, ao rio que atravessava a aldeia e ao barco que atravessou um oceano para que ela nascesse aqui.
            Quando meu pai morreu, eu quis chorar tantas coisas que não foram ditas. (p.15)
            Atente-se para o inusitado da expressão: “eu quis chorar tantas coisas que não foram ditas.”. 

            Elvira Vigna, nas páginas 70 e 71, escreve este poema:
            A foto é sempre muda, a foto dos
            que vieram depois, pelo
            mesmo caminho molhado,
            mas sem as
            calmarias.

            Na página seguinte (p.71), aparece um atestado de  Lejbus Kligerman, com uma foto 3x4 fixada na parte superior do lado direito da folha. É um atestado que foi emitido para o Serviço de Registro de Estrangeiros. Rio de Janeiro, em 13 de agosto de 1943. Vê-se, de forma bem legível, a data da foto  de Lejbus Kligerman: 25-5-1942.  

          No meio dos poemas, aparecem contos que falam sobre histórias cheias de maldade (Roseana) e sobre desenhos decorativos (Elvira Vigna), não faltando frases de poetas e pensadores, como Fernando Pessoa e Gaston Bachelard.


            Este livro está esgotado e uma das autoras (Roseana Murray) resolveu não mais reeditá-lo. É uma pena, um livro bonito e com acesso restrito.  Resta uma esperança: ele pode ser adquirido nos sebos, lido nas bibliotecas públicas e particulares. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O livro das simpatias

Livro das simpatias: nonsense e humor
            (Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)

                        Eu quero um barco nas nuvens
                        um porto calmo
                        e a desarrumada vertigem
                        das velas dando adeus.
                        (Antonio Barreto. Livro das simpatias).

            Há várias maneiras de um livro cativar o leitor, pode ser pelo título, como “Enterrem meu coração na curva do rio”, “Olhai os lírios do campo”; pelas ilustrações, e citamos, “Tempo de voo”, “Rua Âmbar”, esses dois na área dos infantis. Há outros elementos que despertam o interesse do leitor – a capa, as epígrafes, as notas explicativas, as apresentações.  O teórico francês Gérard Genette denominou esses acessórios que complementam os livros de “paratextos”.

            O “Livro das simpatias” (Ed. Baobá, 2014), de Antonio Barreto, com ilustrações de Guili Seara, é um livro rico de paratextualidades. Se a capa chama a atenção pelo bonito colorido e os minúsculos desenhos, as ilustrações que antecedem os textos e tomam uma página inteira foram inspiradas nos desenhos em bico de pena de artistas do século XIX: Thiebault, H. Emy, Coste e constitui mais um motivo para atrair o leitor.  São treze textos apresentados de modo humorístico e, muitas vezes, desconexos, levando-nos a pensar nos poemas de Edward Lear, marcados pelo nonsense.
  
            Além das ilustrações que acompanham cada texto, logo após o título, aparece uma epígrafe. O poeta Mário Quintana, sempre reverenciado e citado neste livro, comparece com esta epígrafe: Teus silêncios são pausas musicais.  Quintana é intertextualizado nesta outra epigrafe: Procurar pelas coisas, mesmo as impossíveis, / É avivar de longe a brasa das estrelas. Ora... O que seria das coisas invisíveis, / Não fosse a ilusão de aprender a vê-las?  

            Podemos dividir o livro em duas partes; na primeira, encontramos treze receitas de simpatia irreverentes; na segunda, vêm explicações que nos são fornecidas pela sabedoria popular e não trazem a marca do nonsense.

            Vamos apresentar exemplos da simpatia do primeiro bloco e outra do segundo para que o leitor sinta como, embora diferentes, elas se complementam.

            “Para encontrar um príncipe encantado”, o narrador sugere que se procure com uma lanterna um sapo na lagoa, e coloque sobre sua cabeça uma cartolinha de mágico, em seguida, vire-se de costas e jogue duas mechas de seus próprios cabelos no brejo. Se o belo rapaz não aparecer, tente novamente.

            Para encontrar casamento, a sabedoria popular indica outro tipo de receita. É recorrer a Santo Antônio Casamenteiro. Esse santo é responsável por tirar muita moça do caritó. As rezas, as promessas, tudo vale, é ter fé no santo e esperar que apareça o marido desejado.

            Quanto à origem das simpatias, elas são desconhecidas. É difícil encontrar uma definição própria para essa crendice ou superstição. Folclore? Ficção? Verdade? Fantasia? Talvez pertençam “ao reino espantado das coisas imaginárias.”

            Não procure o leitor jovem (o livro é destinado aos jovens, mas pode ser lido com muito prazer pelos adultos) soluções ou simpatias plausíveis, é tudo apresentado de modo desconexo, risível e com muito humor.  

            Neste livro o que realmente nos chamou mais a atenção foram as ilustrações, recriadas a partir de desenhos antigos, seguindo-se as epígrafes, as intertextualidades com poemas de Quintana.  Acrescentamos a combinação dos rituais poéticos que se mesclam com o nonsense, o humor e a fantasia, além do predomínio dos elementos paratextuais.

            Para melhor conhecer os autores – escritor e ilustrador – vai um pouco de cada um deles. Antonio Barreto nasceu em Minas Gerais e afirma que antes de “vestir a carapuça de escritor” fez várias coisas na vida: estudou História, Letras e Engenharia Civil. Viajou muito, construiu pontes, edifícios, estradas, depois descobriu que a única coisa que o fazia realmente feliz era “ler, reler, escrever e reescrever”, aí se transformou em escritor.

            Giuli Seara veio da região Norte do Brasil, do Amapá, nasceu em plena Floresta Amazônica. É designer gráfico há mais de trinta anos, já conquistou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Para ilustrar o “Livro da simpatia”, utilizou a técnica da colagem sobre desenhos de bico de pena de ilustradores antigos e o resultado foi muito bom.


            A melhor receita para este finalzinho de férias é ler o “Livro das Simpatias”. 

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Bons livros para crianças

BONS LIVROS PARA CRIANÇAS
(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            O papel da literatura nos primeiros anos é fundamental para que se processe uma relação ativa entre falante e língua.
            (Lígia Cademartori. O que é literatura infantil).

            Todos os anos, a revista CRESCER (Ed. Globo) seleciona os 30 Melhores Livros Infantis do Ano. O processo seletivo começa no mês de fevereiro. Especialistas e apaixonados por literatura infantil de todo o Brasil, escolhidos por jornalistas da revista, elegem os 30 melhores títulos publicados no decorrer do ano.

            Há quatro anos, é atribuído o troféu Monteiro Lobato ao escritor ou ilustrador que mais se destacou na área dos livros infantis. Em 2015, este prêmio foi conquistado por Lúcia Hiratsuka, autora do belíssimo livro “Orie” (Ed. Pequena Zahar, 2014), já comentado em nossa coluna. Este livro também ganhou o prêmio de Melhor Livro para Crianças da FNLIJ - 2015.

            A respeito do trabalho de escritora e ilustradora de Lúcia Hiratsuka, Eva Furnari assim se expressou:
            Ao longo da carreira, a Lúcia foi se aproximando de sua essência, de suas raízes. Sua obra tem emoção e essa é uma grande qualidade de seu trabalho. Seguramente, não temos outra como ela.
            (Eva Furnari, professora da USP, escritora e ilustradora. Revista Crescer, junho de 2015, p. 87).

            Os livros que integram a lista dos 30 Melhores são agrupados por temas. Medo, raiva, amizade, tristeza, saudade são temas importantes e devem estar presentes em livros para crianças.

            A poesia não pode ser esquecida e os versos que emocionam, divertem, rimados ou não, devem figurar nas leituras das crianças.

            O livro que instiga o leitor a brincar com o próprio livro é um atrativo que leva a interação criança/livro. O mundo do faz de conta, o convite à fantasia e à imaginação são elementos integrantes do mundo infantil.

            Livros que ajudam a entender como se relacionar com a natureza, as pessoas. Saber conviver fraternalmente com a sociedade é outro tema presente no mundo do pequeno leitor.

            Nesse universo diversificado de livros para crianças, é necessário que exista humor, livros que provoquem o riso, mas não se devem descartar os clássicos e as obras consagradas, como “Alice no país das maravilhas” e os livros de Lobato.

            Cada livro selecionado vem acompanhado de uma breve resenha crítica com indicação da faixa etária.

            Com o objetivo de auxiliar pais e professores na escolha de livros para crianças, segue a relação dos livros que integram a lista dos 30 Melhores Livros Infantis do Ano da revista “Crescer” (junho de 2015):

11.    Pequena Coisa Gigantesca. Texto e ilustração de Beatrice Alemagna. Ed. WMF Martins Fontes.
22.    O Gato. Texto de Bartolomeu Campos de Queirós. Il Anelise Zimmermann. Ed. Paulinas.
33.    Uma Pergunta tão Delicada. Texto de Leenvan der Berg. Il. Kaatje Vermeire. Ed. Pulo do Gato.
44.    A Raiva. Texto de Blandina Franco. Il. José Carlos Lollo. Ed. Pequena Zahar.
55.  A Árvore das Lembranças.  Texto de Britta Teckentrup. Ed. Rovelle.
66.  O Leão e o Pássaro. Texto e ilustrações de Marianne Duboc. Ed. Positivo.
77.    Pedro Carteiro. Texto e ilustrações de Beatrix Potter. Ed. Companhia das Letrinhas.
88. Vamos ajudar o Gildo. Texto e ilustrações de Silvana Rando. Ed. Brinque-Book.
99.    Joana no Trem. Texto e ilustrações de Katrin Scharer. Ed. Brinque-Book.
110. O Livro com um Buraco. Texto e ilustrações de Hervé Tullet. Ed. Cosac Naify.
111. Gorila. Texto de ilustrações de Anthony Browne. Ed. Pequena Zahar.
112. Hoje. Texto e ilustrações de Eva Montanari. Ed. Jujuba.
113. Eu Queria Ter... Texto de Giovanna Zoboli. Il. de Simona Mulazzani. Ed. WMF Martins Fontes.
114. Pocotó. Texto e ilustrações de Silvana Rando. Ed. Compor.
115. Zan. Texto e ilustrações de Jean-Claude R. Alphen. Ed. Manati.
116. Orie. Texto e ilustrações de Lúcia Hiratsuka. Ed. Pequena Zahar – Troféu Monteiro Lobato.
117. A Caminho de Casa. Texto de Sílvia Corrêa Il. Cárcamo. Ed. Edições de Janeiro.
118. Mel na boca. Texto e ilustrações de André Neves. Ed. Cortez.
119. O Nascimento de Celestine. Texto e ilustrações de Gabrielle Vincent. Ed. 34.
220. Vozes no Parque. Texto e ilustrações de Anthony Browne. Ed. Pequeno Zahar.  
221. Olhe para Mim. Texto de Ed Franck . Il. de Kris Nauwelaerts. Ed. Pulo do Gato.
222. O Livro Errado. Texto e ilustrações de Nick Bland. Ed. Brinque-Book.
223. Fases da Lua e Outros Segredos. Texto e ilustrações de Marilda Castanha. Ed. Peirópolis.
224.  Max, o Corajoso. Texto e ilustrações de Ed Vere. Ed. Companhia das Letrinhas.
225. O Bicho Alfabeto. Texto de Paulo Leminski. Il. Ziraldo. Ed. Companhia das Letrinhas.
226. Rimas de Lá e de Cá. Textos de José Jorge Letria e José Santos. Il. Yara Kono. Ed. Peirópolis.
227. Bebés Brasileirinhos. Texto de Lalau. Il. de Laurabeatriz. Ed. Cosac Naify.
228. Na Terra do Nunca Jamais. Texto de Linda Rode . Il. Fiona Modie. Ed. Martins Fontes.
229. Reinações de Narizinho. Textos de Monteiro Lobato. Il. Jean Gabriel Villin e J. Campos. Ed. Globo
330. Uma Festa de Cores. Texto de Ronaldo Fraga. Il. Anna Göbel. Ed. Autêntica.

Nota: Nas páginas 86 e 87, da revista “Crescer”, encontra-se uma matéria sobre Lúcia Hiratsuka (dados biográficos, fonte de criação e as obras mais recentes da autora).
Na página 88, aparece a lista com o nome de todos os jurados desse processo seletivo. É com muito prazer que integramos essa lista.

( Texto publicado no jornal “Contraponto”. Paraíba, 19 a 25 de junho de 2015. Caderno “Variedades”. Coluna: “Livros&Literatura”, p. B-2.