domingo, 28 de setembro de 2014

O Diário da irmã de Laura

                        O DIÁRIO DA IRMÃ DE LAURA
(Neide Medeiros Santos – Leitora votante da FNLIJ/PB)

            Todos querem mudar o mundo, o universo, mas ninguém dá o primeiro passo mudando a si mesmo.
            (Willian Junio Moreira de Souza. Aluno da Escola Municipal Anne Frank).

            Entre os judeus existe um rito de passagem – o “bar mitzvak” (aos treze anos, para os meninos) e o “bat mitzvak” (aos doze anos, para meninas). É a passagem para a vida adulta das crianças. É o momento em que devem seguir as regras e as tradições da religião judaica. Há todo um ritual preparatório.  Meninos e meninas passam vários meses estudando, preparando-se para esse grande dia que compreende uma cerimônia, geralmente seguida por uma celebração com comida, presentes e festa.
            “O Diário da irmã de Laura” (Callis, 2014), da canadense Kathy Kacer, tradução de Bárbara Menezes, fala sobre esse rito de passagem da menina Laura. Kathy Kacer mora em Toronto ( Canadá), é autora de livros juvenis e já recebeu diversos prêmios literários, entre eles o Canadian Jewish Book Award e o American Jewish Library Association Award.
 A história começa quando falta apenas três semanas para a cerimônia de “bat mitzvak” de Laura, a protagonista. Ela recebe uma missão do rabino Gardiner – devia procurar uma senhora que tinha uma história muito interessante para contar, deu o endereço e o número do telefone da senhora Mandelcorn.   
Laura telefonou para a senhora Mandelcorn, marcou o encontro e se dirigiu à residência indicada pelo rabino.  A conversa foi rápida e quando saiu da visita levava o diário de Sara Gittler, uma jovem judia que foi presa pelos nazistas e enviada com toda sua família para  o gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial. Ela pediu que a menina lesse a história e compartilhasse com todos os presentes no dia da cerimônia.  
            A princípio Laura  relutou em assumir esse projeto, já havia feito um trabalho de angariar dinheiro para crianças africanas que viviam em situação de risco na África e achava que isso era suficiente, esse era mais um desafio que teria de enfrentar.    
            À medida que ia lendo o diário de Sara, mais Laura se envolvia com a história, só pensava em terminar a leitura e preparar-se para apresentá-la no dia do seu rito de passagem.
            Toda noite, após o término das tarefas escolares, retomava o  diário de Sara e vivenciava aquele mundo árido da vida em um gueto, as dificuldades que a família de Sara encontrava para conseguir alimentos para garantir a sobrevivência. A família de Sara era constituída da mãe, do pai, um irmão, uma irmã e da avó. Seis pessoas viviam em um apartamento de apenas um quarto. 
            Como termina a história de Sara Gittler? O diário não esclarece. A última anotação traz a data de 9 de janeiro de 1943. A família é deportada para destino ignorado e Sara resolve deixar o diário enterrado no pátio do prédio.  Acreditava que um dia alguém aparecesse para desenterrá-lo.
            No dia do “bat mitzvak” de Laura, ela apresentou a história do diário de Sara Gittler, entre os presentes estava a senhora Mandelcorn.   O destino de Sara e da sua família o leitor só vai saber após a leitura desse livro que reúne com mestria ficção e realidade.
            Ressaltamos que os personagens de “O diário da irmã de Laura” são fictícios, mas há muitos elementos históricos verdadeiros no livro. O Gueto de Varsóvia existiu realmente durante a Segunda Guerra Mundial e era considerado o maior gueto judeu criado pelos nazistas. O gueto foi construído pelos próprios judeus em regime de escravidão em 1940. Em julho de 1942, os nazistas transferiram os judeus poloneses para o campo de concentração de Treblinka. No meio dos judeus presos pelos nazistas, destacava-se Januzs Korczak, médico e educador que, durante toda sua vida, acreditou que deveria haver uma declaração dos direitos das crianças no mundo. Ele foi diretor do Orfanato Judeu na Polônia e seu grande sonho era abrir um orfanato onde as crianças judias e católicas pudessem conviver fraternalmente.   Foi com base nos seus ensinamentos e nos seus escritos que a Organização das Nações Unidas adotou a Convenção dos Direitos das Crianças em 1989. 
            Nas últimas páginas do livro, encontramos Nota da autora, informações sobre Heróis do Gueto de Varsóvia e Histórias reais de gêmeos. 

                          NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS

                          CONCURSO DE REDAÇÃO

            Da professora Sônia van Dijck, recebemos um e-mail com a redação do aluno Willian Junio Moreira de Souza do 9º. ano da escola municipal Anne Frank, bairro de Confisco, periferia de Belo Horizonte. A redação de Willian Junio foi vencedora de um concurso patrocinado pela Confederação Israelita do Brasil, Federação Israelita do Estado de São Paulo e Arquivo Histórico Judaico Brasileiro. O concurso contou também com o apoio da Anne Frank House de Amsterdã. Com este prêmio, Willian viajou a Amsterdã para conhecer o Museu Casa de Anne Frank. Segue-se a redação premiada:
            A história de Anne Frank na atualidade
            Hoje, vejo a luta das pessoas por um mundo com igualdade, respeito e sem discriminação social. Vejo os negros lutando para conseguir seu espaço nas universidades, na política e nas empresas públicas; os indígenas lutando para preservar a sua cultura e até para não serem queimados em praça pública; as pessoas despertando e acordando para lutar pelos seus direitos.
            No período da segunda guerra mundial, as pessoas não tinham nem direito de lutar ou de reivindicar. Acredito que isso é pior: não poder lutar, não ter voz e não ter vez.
            Hoje, vejo que as pessoas têm mais oportunidades de lutar pelos seus direitos e liberdade de ir e vir.
            Nisso vejo que a luta de Anne Frank não foi em vão, pois devido ao seu exemplo, muitas pessoas entendem que reivindicar os seus direitos é uma ação e não o parar e esperar.
            A história de Anne Frank foi e é importante para a humanidade saber como é o sofrimento das pessoas em uma guerra, a tristeza com a morte de amigos, a falta de água, comida e luz.
            Além disso, é importante para nós valorizarmos mais a vida, aquilo que conquistamos, pois as pessoas que viveram durante a guerra, não tinham nada.
            Anne Frank nunca deve ser esquecida, pois uma simples história muda vidas. Não vamos deixar que esta história de crueldade se repita por meio do bullying, do preconceito, da discriminação, do racismo e muito mais.
            Todos querem mudar o mundo, o universo, mas ninguém dá o primeiro passo mudando a si mesmo.
            Mas, apesar disso tudo, eu ainda acredito na bondade humana.
            ERA UMA VEZ UM MENINO CHAMADO AUGUSTO  

            No dia 30 de setembro (terça-feira), às 19 horas, no Centro Cultural São Francisco (Igreja São Francisco), a Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro (ALANE/PB) promoverá uma sessão em homenagem a Augusto dos Anjos pela passagem dos cem anos da morte do poeta. Nessa mesma sessão, será lançado o livro “Era uma vez um menino chamado Augusto”, de Neide Medeiros Santos, e uma exposição de aquarelas do artista plástico Tônio. Sintam-se todos convidados. Haverá, ainda, lançamentos de dois livros de ensaios sobre Augusto dos Anjos.   

O rio de Pessoa e das pessoas

        




                                         O RIO DE PESSOA E DAS PESSOAS
                            (Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)

            O TEJO é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
            Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
            Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
            (Alberto Caeiro. Poema XX. O guardador de rebanhos).


       O rio está sempre presente na vida das cidades e das pessoas.  Quando pensamos em Lisboa, vem logo a imagem do rio Tejo e lembramo-nos de Fernando Pessoa. Em Paris  é o Sena que nos deslumbra e o Danúbio inspirou Strauss a compor lindas valsas.  Recife, cidade cortada por rios, o Capibaribe e Beberibe serviram de inspiração para poetas de todos os tempos. O mesmo acontece em João Pessoa com os rios Sanhauá e Jaguaribe. Os dois rios pessoenses foram louvados e cantados por vários poetas paraibanos.
        É sobre rios que voltamos nossa atenção esta semana. Da editora FTD,  recebemos “Entre rios”, coletânea de textos que reúne sete escritores que escreveram a respeito de rios que marcaram suas vidas.  O livro foi organizado por Maria José Silveira e as ilustrações são de Roger Mello. Um destaque especial para a capa do livro – recortes vazados simulam a sinuosidade do leito dos rios Alguns escritores apelaram para a ficção; outros se mantiveram fiéis a fatos acontecidos na infância.      
        Domingos Pellegrini nasceu no Paraná (Londrina). “A sereia do rio Paraná” é um conto que descreve uma viagem de um menino com a mãe e o tio à procura do pai por terras paranaenses. Eles utilizam vários transportes para chegar ao destino almejado -  jipe, caminhão, barcos, botes e gaiolas. Na companhia da mãe e do filho vai um tio, resmungão e mal humorado, que reclama de tudo. Para o menino foi uma aventura cheia de encantos – até uma sereia ele viu na viagem pelo rio.
     Índigo é o nome artístico de Ana Cristina Ayer de Oliveira. Ela é natural de Campinas (SP). O texto “O enterro do rio Tietê” traz uma marca singular -  pessoas e rios convivem e conversam fraternalmente.  No velório do rio Tietê,  os comentários se referem à doença do rio e da sua morte. Há referências a outros rios, afluentes do Tietê, que também estão doentes – Pinheiros, Aricanduva, Capivari, Tamanduateí.
      Marcelino Freire nasceu em Pernambuco e hoje mora em São Paulo. “Ir embora” é um conto que se caracteriza por linguagem poética e pela   presença de termos regionais do Nordeste. O autor fala sobre despedida, abandono da Chapada das Mangabeiras (situada na divisa Goiás, Bahia, Piauí e Maranhão)  por conta do progresso. A predominância de diálogos confere um tom teatral ao texto.
      Márcio Souza, amazonense, comparece com “Canoagem no Solimões” e nos traz a lenda do Curupira aliada com a história de um jovem que gostava de fazer esportes radicais no rio.
       “Cy do Araguaia” é o conto de Maria José Silveira que é natural de Jaraguá, cidade histórica de Goiás. É um texto epistolar. Cy escreve uma longa carta para o namorado e recorda os dias que passaram juntos à margem do rio Araguaia, ressaltando fatos ligados às memórias de sua infância.
       Maria Valéria Rezende nasceu em Santos (SP) e está radicada há muitos anos na Paraíba. “O amor é correnteza” é um texto que fala do amor entre dois adolescentes – Pedro e Iara. O cenário do rio São Francisco emoldura a história e Pedro rememora as lendas contadas pelos barqueiros e pescadores – “deliciosas e apavorantes histórias do sono do rio, do Negro – d´água, do Minhocão, dos afogados, das grutas e dos castelos submersos lá no fundo, que embalaram suas noites de criança” (2014: p.104).   
       O último texto é do gaúcho Moacyr Scliar – “Os piratas do Guaíba”. Scliar se volta para a infância e apresenta uma história cheia de ternura entre um filho e o pai. Uma mentira criada pelo menino na escola – no quintal da sua casa havia um tesouro enterrado – fez o pai enterrar no quintal uma arca de madeira velha, colocar algumas moedas e objetos antigos, tudo para que o filho não recebesse a alcunha de mentiroso. No domingo, diante dos colegas, o tesouro foi desenterrado e a arca foi encontrada. O que deixou o menino mais feliz não foi o fato dos colegas terem encontrado um tesouro e a mentira se tornar verdade,  mas descobrir “o afeto do pai”.
     Para concluir essas histórias de rios, recorremos a Maria José Silveira e citamos esses versos:
            Para preservar os rios é preciso conhecê-los.
            E, se os conhecemos, fica muito fácil amá-los.

            NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS

            Se para preservar os rios é preciso conhecê-los, vamos transcrever uma carta de um aluno do Colégio Apoio (Recife) que fez uma viagem pelo rio Capibaribe na companhia de professores e colegas. Como tarefa dessa atividade extra curricular, ele   escreveu uma carta ao Prefeito da cidade. O aluno é Davi Pessoa, tem 11 anos, cursa a 5ª série do Ensino Fundamental. Procuramos respeitar a linguagem descontraída da criança e não fizemos nenhuma interferência no texto.

            Prezado Prefeito,

                Olá, eu sou um aluno do Colégio Apoio e lhe envio esta carta apresentando críticas e sugestões em relação ao rio Capibaribe que corta a nossa cidade Recife. Espero que me ouça com atenção, pois estou tratando de um assunto importante.
Como todos sabem, o rio Capibaribe está extremamente sujo. Há muita poluição e o que era pra ser um orgulho da cidade acaba sendo uma vergonha. É claro que eu não posso colocar toda a culpa em cima de você, pois não é você que suja os rios, são os cidadãos, mas você é o Prefeito e poderia fazer algo.
O rio Capibaribe não passa apenas pelo Recife, ele tem 270 quilômetros de extensão e passa por vários municípios de Pernambuco, por isso não somos só nós que sujamos o rio. Você poderia se unir com os outros prefeitos e até com o Governador para fazer um projeto de despoluição.  Assim o rio chegaria à nossa cidade bem mais limpo.
Eu li num livro “Um rio de Gente” que antigamente era comum tomar banho no rio Capibaribe. Quem sabe isso não possa se repetir?
Com tantos carros nas ruas, acho que você poderia promover também o transporte fluvial. Eu sei que tem um projeto, mas ele anda meio parado, deveria ser uma prioridade. Seria até mais seguro que as bicicletas, pois ainda hoje morrem muitos ciclistas no trânsito do Recife.
Se Recife é a “cidade das pessoas”, por que não pode ser também a cidade dos rios?
Atenciosamente,
DAVI MEDEIROS PESSOA


Nota: Os rios que cortam a cidade de João Pessoa também estão poluídos. Fica a sugestão para os professores – dar um passeio com os alunos pelo rio Sanhauá e pedir que escrevam cartas para o Prefeito sugerindo providências. “Se Recife é a cidade das pessoas,” João Pessoa tem pessoa até no próprio nome.