sexta-feira, 28 de março de 2014

A POESIA BATE NA PORTA



  
       A POESIA  BATE  NA PORTA 

          ( Neide Medeiros Santos)

                                   O amor bate na porta
                                   o amor bate na aorta.
            (Carlos Drummond e Andrade. O amor bate na aorta).


            Há certos livros que nos cativam pela poesia que transparece no texto escrito, há outros que deitamos o olhar nas ilustrações e nos encantamos. “Abecedário [poético] das frutas” (Ed. Rovelle, 2013), de Roseana Murray, ilustrado por Cláudia Simões, é um livro que bateu na nossa porta, entrou devagarinho e logo nos apaixonamos. Texto verbal e ilustração caminham juntos na beleza das palavras poéticas e das ilustrações.
            Roseana Murray explica-nos como nasceu a ideia deste livro – ela mora em uma casa rodeada de árvores, na cidade de Saquarema, (RJ) e tem por hábito colocar frutas nas árvores todos os dias de manhã para alimentar os passarinhos. É também uma pessoa apaixonada por frutas, suas formas, sabores, texturas. Reunindo duas coisas de que gosta muito – pássaros e frutas - surgiu esse bonito livro, um abecedário das frutas em forma de poesia.
            O livro de Roseana Murray nos transportou para a brincadeira cantada da escolha de frutas. Qual é o “menino antigo” que não se lembra da cantiguinha: “Passarás, passarás, deixarás passar, se não for o da frente há de ser o de detrás”?  E vinha a escolha entre duas frutas. Geralmente as crianças escolhiam – pera ou maçã, uva ou graviola, frutas nobres. Banana, laranja, frutas populares, eram rejeitadas. Como se existisse nobreza nas frutas!    Cada uma tem o seu próprio valor.
              Alguns aspectos estilísticos nos chamaram a atenção neste livro – foram as comparações visuais. Vejamos a comparação para as bananas: 

            As bananas de casaca
            dourada,
            penduradas como um
um trapézio.

            Cláudia Simões ilustrou o poema com um cacho de bananas bem amarelinhas (douradas) e perto, pousado em uma das folhas da bananeira, um pássaro vermelho e preto tudo observa.  A imagem do cacho de bananas se assemelha a trapezistas pendurados em um trapézio.
            Para o figo, a comparação foi muito feliz:
  
            De feltro, de veludo,
            suntuosa ao toque
            da mão
            como um tecido
            de um tempo antigo.

            Quem já teve a oportunidade de pegar um figo madurinho tem a sensação de estar passando a mão em pano aveludado.  É bem macio.
            A ilustração destaca figos de variados tamanhos, todos bem maduros, um deles picado pelo passarinho, o que nos leva de volta à infância – a história do figo da figueira, bicado pelo passarinho. Dizem que passarinho só belisca frutas doces e fruta beliscada por passarinho não é venenosa. A natureza é sábia!
            No abecedário de frutas, entram duas intrusas: hibisco e zínia.  São flores usadas, muitas vezes, para enfeitar os pratos nos dias festivos.

            Há flores que se comem
            como se fossem frutas,
            numa comunhão entre
            os olhos, a boca e o jardim.

            Novamente a comparação se faz presente. O colorido de certas flores se associa à cor das frutas, principalmente as vermelhas. A ilustradora utilizou vermelhos intensos e amarelos vivos para representar os hibiscos. As zínias vão do vermelho vivo ao amarelo, não faltando borboletas e um casal de beija-flores.  
            Houve dificuldade para encontrar uma fruta que começasse com a letra “E”.  Se não existe uma fruta começada com a letra “e”, a poeta vai dar uma solução e cria uma estrela de carambola e...  então inventa uma fruta estrela. Problema resolvido.
              Chamamos a atenção do leitor para a disposição do texto verbal e da ilustração, tudo muito bem planejado.  A ilustração toma uma página inteira. Na outra página aparece o texto verbal.
            Para ilustrar este livro, Cláudia Simões fez a opção pela aquarela – “sua grande paixão, como meio de expressão”.

            O livro bateu na minha porta com um oferecimento especial:
            Para Neide, com carinho, frutas e poesia, Roseana.  
            O presente foi muito bem-vindo.
( Texto publicado no jornal Contraponto. João Pessoa, 28 de março de 2014).  
   

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