quarta-feira, 1 de maio de 2013


As múltiplas vozes de Ilan Breman

(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

            O gosto de contar é idêntico ao de escrever – e os primeiros narradores são os antepassados de todos os escritores.

            (Cecília Meireles. Problemas da literatura infantil).

 

            Ilan Breman é um escritor de múltiplas vozes: contador de histórias, autor de livros infantis e ensaísta. Filho de pais argentinos, nasceu em Israel e se mudou para o Brasil quando contava seis anos. Já andou por muitos países, contou inúmeras histórias, escreveu vários livros. É graduado em Psicologia (PUC/SP), fez mestrado e doutorado em Educação na USP.

            Em 2012, “O Alvo” ganhou o Prêmio “Melhor para Criança” – FNLIJ e foi considerado um dos 30 Melhores Livros Infantis na seleção da revista Crescer (Ed. Globo). Este livro foi objeto de comentários em nossa coluna “Livros&Literatura” – Contraponto.   

            A trajetória literária de Ilan Breman teve início com leituras de histórias para crianças.  Participou do Projeto “Biblioteca Viva”, da Abrinq, pelos direitos da criança, iniciando-se no ofício de “leitor profissional” de literatura. Posteriormente, integrou-se ao Projeto “Biblioteca Viva em Hospitais” e passou a ler histórias para crianças e jovens que estavam internadas. 

            De tanto conviver com a literatura infantil como leitor e contador de histórias, resolveu ser escritor e vieram seus primeiros livros, agora já são mais de 50.  A temática judaica está sempre presente, são histórias de rabinos, da tradição oral judaica, histórias bíblicas.  “O Alvo” é mais uma história da sabedoria judaica. Anteriormente, o escritor já havia publicado “As 14 pérolas judaicas”.

            No universo de livros infantis de Ilan Breman, há espaço para os jocosos, aqueles que as crianças sentem um clima de pura brincadeira e citamos: “Até as princesas soltam pum” “Pai, os animais também soltam pum?” Os dois livros foram editados pela Brinque-Book.

            Mas não é apenas o contador de histórias, o escritor de livros para crianças que conhecemos. Em 2012, publicou dois livros teóricos sobre leitura e literatura infantil. Esses livros tiveram sua origem na dissertação de mestrado em Educação – “Através da vidraça da Escola: formando novos leitores” (Ed. Aletria) e na tese de doutorado, também em Educação – “A condenação da Emília: o politicamente correto”. (Ed. Aletria).

            Vamos tecer algumas considerações sobre uma das múltiplas vozes de Ilan Breman – a de ensaísta.

            “Através da vidraça da Escola: formando novos leitores” relata as experiências do escritor nas visitas às salas de aula das escolas e a recepção dos alunos às histórias contadas. Através da contação de histórias, sentiu que as crianças são receptivas quando estão diante de um bom contador de histórias e pôde aquilatar a importância da literatura oral.

            Mas o ensaísta não se detém só nesse aspecto, ele faz uma retrospectiva histórica do ato da leitura em diferentes tempos e países diversos. Aparecem relatos de escritores sobre hábitos de leitura – Marcel Proust costumava ler à noite escondido dos pais à luz de uma vela; Clarice Lispector revela a felicidade que sentiu ao ter em mãos o livro “Reinações de Narizinho”.

            Uma questão também levantada neste livro é o problema da literatura infantil, considerada por alguns como “gênero menor”. Para o ensaísta, a literatura infantil é coisa séria e afirma que os “livrinhos com historinhas” não são livrinhos, são “livrões” e as historinhas, na verdade, são “historionas”. Naturalmente se refere ao livro infantil de qualidade como desejava Cecília Meireles – um livro para crianças deve ser um livro que qualquer adulto pode ler sem achar mesquinho. 

            Em “A condenação de Emília: o politicamente correto na literatura infantil”, o autor se utiliza da personagem Emília, de Monteiro Lobato, símbolo da liberdade, para defender a autonomia da literatura.  Para Ilan Breman, aqueles que condenam certas cantigas de roda e contos de fadas com final trágico por considerarem “politicamente incorretos” estão incorrendo no erro de tolher a imaginação dos pequenos leitores.

            A literatura infantil não deve ser amordaçada como foram determinados livros nos regimes políticos ditatoriais.  No Brasil, Lobato foi vítima dessa perseguição e acusado de herético, comunista.

            A literatura infantil é arte como qualquer outra literatura e não está condicionada a palavras “bem comportadas”. Através do senso crítico, as crianças aprenderão a mediar seus conflitos e as histórias de ontem (contos de fadas e histórias tradicionais) e as de hoje irão contribuir para a formação de grandes leitores. 

            Se Emília apareceu no início do trabalho de Ilan Breman como símbolo da independência, no final ele revela que teme que esta personagem seja enquadrada como uma “Barbie bem-comportada” e apresenta uma fábula de Lobato– “O homem e a cobra” em que a opinião da Emília, na moral da fábula, está incorreta. Nem sempre a bonequinha tem razão.  

            No momento em que se fala tanto em revisar os livros de Lobato, “A condenação de Emília: o politicamente correto na literatura infantil” surge no momento oportuno. É alerta e reflexão para que não se modifique o pensamento de quem pregou tanto a liberdade de expressão.

            LEITURA RECOMENDADA

A PARAÍBA POR SI MESMA. José Octávio de Arruda Mello ( Org.) Campina Grande: EDUEPB, 2012.

            Este livro reúne especialistas em diversas áreas que tratam de temas relacionados à História, Geografia, Cultura, Literatura e Artes na Paraíba. Nomes reconhecidos no âmbito dos estudos paraibanos foram revisitados, como Irineo Joffily, Celso Mariz, Horácio Almeida, Wilson Nóbrega Seixas,  Humberto Nóbrega, Altimar Pimentel, Eduardo Martins, Walfredo Rodriguez. Ao lado dessas proeminentes figuras, aparecem os nomes do cronista Cristino Pimentel, do historiador Epaminondas Câmara e Guimarães Duque. Na historiografia da imprensa, o destaque vai para Alcides Bezerra, Fátima Araújo e Eduardo Martins. O ensino da Geografia na Paraíba é ressaltado.

            Na área de Direito, desponta a figura do Ministro Oswaldo Trigueiro e a história das constituições da Paraíba. As artes visuais e a música não foram esquecidas.

            Louvamos a iniciativa do professor Cidoval Morais de Sousa pela feliz ideia de editar este livro. Ao professor José Octávio de Arruda Mello cabe o mérito de escolher intérpretes e analistas consistentes que souberam traçar as  diferentes linhas da história e da cultura da Paraíba.

            No soneto “Debaixo do tamarindo”, o poeta Augusto dos Anjos conclui com este verso:

            A minha sombra há de ficar aqui!

             Os ensaios deste livro se eternizarão como eterna ficou a sombra de Augusto dos Anjos.

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