terça-feira, 26 de fevereiro de 2013



BIOGRAFIAS DE GRACILIANO RAMOS PARA CRIANÇAS E JOVENS
(Neide Medeiros Santos – crítica literária FNLIJ/PB) 


            Dilúculo – “desgraçado título”, era, contudo, carregado de poesia: quer dizer aurora, crepúsculo matutino, as primeiras luzes de anúncio do dia. (Audálio Dantas. O Chão de Graciliano).


            Uma visita à Casa/Museu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios, nos levou a reler duas biografias de Graciliano Ramos que retratam a infância, a juventude e fatos relevantes na vida deste escritor. Audálio Dantas escreveu “A infância de Graciliano Ramos” (Ed. Callis) e Myriam Fraga “Graciliano” (Ed. Moderna). São duas pequenas biografias destinadas às crianças e jovens.
            Audálio Dantas é conterrâneo de Graciliano e nasceu em uma pequena cidade de Alagoas – Tanque D´Arca, bem próxima de Quebrangulo, berço do Mestre Graça.  É autor do bonito livro “O Chão de Graciliano” com imagens dos caminhos percorridos por Graciliano nos sertões de Pernambuco e Alagoas.
            “A infância de Graciliano Ramos” retrata os primeiros anos de vida do escritor que era o primogênito de uma família de dezesseis filhos. Quando Graciliano contava dois anos,  a família se mudou para a Fazenda Pintadinho, nas proximidades de Buíque, Pernambuco, mas uma seca braba obrigou a família a voltar para Alagoas e o pai, Sebastião Ramos de Oliveira, se estabeleceu inicialmente em Viçosa (AL) e, posteriormente, em Palmeira dos Índios (AL).
            Do período passado em Buíque, Graciliano recorda a grande dificuldade que encontrou para aprender as primeiras letras. O pai não tinha paciência para ensinar aquele menino que trocava o “t” com o “d” e batia no filho. Felizmente, a irmã mais velha, Mocinha, ajudava-o a superar essas dificuldades e apareceu a professora Dona Maria que, embora não fosse uma grande educadora, era paciente com aquele menino “dificultoso” no aprender das letras.
            Pouco a pouco, as coisas vão mudando. Em Viçosa, no Internato Alagoano, Graciliano encontrou um professor que incentivava os alunos para a leitura e para a escrita. O professor Mário Venâncio criou até um jornal “O Dilúculo” e Graciliano começou a escrever para este jornal. Quem diria... aquele menino que encontrou dificuldades na carta do ABC estava se tornando um escritor, escrevia e publicava poemas no jornal de Mário Venâncio.
            A biografia de Myriam Fraga é mais indicada para jovens, traz muitas fotografias de Graciliano e de seus familiares, objetos utilizados pelo escritor, como máquina de datilografia, a mesa de trabalho do período em que foi prefeito de Palmeira dos Índios (esta mesa se encontra na Casa/Museu Graciliano Ramos), excertos de alguns romances e fatos relevantes ligados à vida e à obra do escritor alagoano.
            O livro está dividido em 16 capítulos e conta a vida de Graciliano do seu nascimento até a morte, aos 60 anos de idade. Vamos destacar alguns aspectos sobre o homem Graciliano.  
            Graciliano ficou conhecido nos meios literários por dois relatórios enviados ao governador de Alagoas – Álvaro Paes nos anos de 1929 e 1930 e publicados no Diário Oficial do Estado.  Era prefeito de Palmeira dos Índios e procurou colocar ordem na cidade, adotando medidas que desagradaram àqueles acostumados a não obedecer à lei.  Houve descontentamento de alguns e o prefeito recebeu até cartas anônimas com ameaças de morte, mas ficou indiferente às ameaças.  Procurou melhorar as condições do município construindo escolas, postos de saúde abatedouro para o gado e reformou o prédio da prefeitura. Foi um prefeito exemplar.
            Myriam Fraga revela que foi José Américo de Almeida quem confidenciou a Schmidt que o prefeito de Palmeira dos Índios – o tal dos relatórios – tinha um romance pronto na gaveta. O editor Schmidt enviou uma carta ao escritor pedindo-lhe os originais do “romance engavetado” para publicação. Em 1933, saiu a 1ª edição do romance “Caetés” (1933) que foi ilustrado por outro paraibano – Santa Rosa.
            Quando ocupava o cargo de Diretor da Instrução Pública (1936), cargo equivalente ao de Secretário da Educação, Graciliano foi procurado pelo irmão do governador Osman Loureiro com este aviso: o governador pedia-lhe que se afastasse do cargo. Graciliano respondeu: “Eles se quiserem que me demitam”.
            O general Newton de Andrade Cavalcanti, integralista convicto, era o comandante da Sétima Região Militar e ordenou uma perseguição feroz aos comunistas em todas as capitais do Nordeste e, segundo ele, Graciliano era “um notório comunista”.
            Apesar dos conselhos dos amigos para que fugisse, Graciliano permaneceu em casa aguardando os acontecimentos e respondia aos amigos: “Não fiz nada de que possa vir a ser acusado. Por que haveria de fugir?”
            Realmente não havia nada contra Graciliano. Naquela época ainda não era filiado ao partido comunista, mesmo assim “é detido sem culpa formada, sem uma palavra escrita.”
            Graciliano foi preso no dia 3 de março de 1936 e permaneceu na prisão durante 10 meses. Novamente aparece outro paraibano na vida de Graciliano – José Lins do Rego que contratou o advogado Sobral Pinto para defendê-lo das acusações injustas. O escritor José Lins do Rego havia conhecido Graciliano quando morou em Maceió.  
          Nas palavras do neto, Rogério Ramos:  " O  livro de Myriam Fraga traça o caminho singular do homem, iluminando aspectos pouco conhecidos de sua obra. Não é pouco". 

                        VISITA CULTURAL

             No dia 12 de fevereiro, terça-feira de carnaval, viajamos à cidade de Palmeira dos Índios, com o objetivo de  conhecer a casa/museu  de  Graciliano.  O escritor morou durante alguns anos nesta casa que hoje abriga o museu  e  guarda objetos, fotografias, originais de textos, como o conto “O ladrão”, fragmentos e cartas manuscritas do autor de Vidas Secas.   Em Palmeira dos Índios, fomos recebidos pelo Diretor da Casa/Museu – João Tenório Pereira e pela Secretária de Cultura da cidade – Professora Maria Aparecida Costa que tudo nos mostrou e explicou muitos fatos relacionados com o período em que Graciliano morou na cidade.  Essa visita foi agendada pela ex-secretária de Cultura – Édila Canuto.
            A casa conserva a mesma fachada da época em que o escritor morou com a mulher Heloísa Medeiros Ramos (Dona Ló) e recebe visitas de escritores ilustres. Já passaram por lá Benjamin Moser (biógrafo de Clarice Lispector) e Alberto Manguell (autor do livro “Uma história da leitura”). O escritor alagoano Audálio Dantas tem acompanhado muitos visitantes a este local, entre eles o jornalista Joel Silveira.   
            Em Palmeira dos Índios, visitamos, também, a catedral Nossa Senhora do Amparo e a sacristia da igreja onde Graciliano escreveu 18 capítulos do livro São Bernardo. Naquela época Palmeira dos Índios ainda não era sede de bispado.
Foi um dia de reencontro com a obra do escritor.
  
  ( Texto publicado no jornal "Contraponto". Paraíba, 22 a 28 de fevereiro de 2013).

sábado, 2 de fevereiro de 2013


NO REINO DO FAZ-DE-CONTA

(Neide Medeiros Santos – Critica literária FNLIJ/PB)

 

            A incrível facilidade com que o indígena ouve, retém e transmite já inconscientemente modificada, qualquer estória, multiplica o mundo fantástico, alargando as fronteiras da imaginação criadora.

            (Câmara Cascudo. Geografia dos mitos brasileiros).

 

            Yaguarê Yamã é amazonense, descendente do povo indígena Maraguá. Formado em Geografia pela UNISA (SP), lecionou no ensino público por dois anos, depois resolveu se dedicar à carreira de escritor e retornou a seu estado. Atualmente, além das atividades literárias, é responsável pelo projeto “De volta às origens”, que tem como objetivo a conscientização, revitalização cultural e a luta pela demarcação das terras do povo Maraguá, mas não abandonou a carreira de professor, continua dando aulas de Geografia.

            “Contos da Floresta” (Peirópolis, 2012), com ilustrações de Luana Geiger é mais um livro deste autor que procura resgatar suas origens através da literatura e apresenta estórias que falam em mitos e lendas indígenas.  

            Yaguarê Yamã é autor de mais de dez livros e “Sehaypóri” foi selecionado pelo catálogo White Ravens para a Biblioteca de Munique e para a Feira de Bolonha. Espera-se que “Contos da Floresta”, seu livro mais recente, tenha o mesmo destino. 

            O leitor talvez não saiba o que significa “Sehaypóri’”. É uma palavra de origem “Sateré- Mawé” e indica a coleção de mitos, fábulas, lendas desse povo. É a Bíblia do povo Sateré-Mawé. Conta as crenças transmitidas de uma geração para outra.

            “Contos da Floresta” apresenta seis mitos e seis lendas. “Os mitos são matéria de fé e traduzem valores sagrados. As lendas também têm caráter mágico, mas não tratam de figuras ou elementos sagrados.” (2012: p.56).

            Os três mitos são: “História de Kãwéra”, “As makukáwas” e “História de Mapinguary”. As lendas: “O pescador e a onça”, “O bicho e o casamento”, “Dois velhos surdos.” Pelos próprios títulos, sentimos que as lendas estão mais próximas do ser humano, os mitos ligam-se ao divino.

            O povo Maraguá é conhecido por suas histórias de assombração e os três mitos apresentados vêm marcados por histórias de magia e suspense.   “História de Kãwéra” – Kãwéra é um mito amazônico que tem corpo de homem, garras e asas de pássaro.  É protetor da floresta e dos animais e não admite ser contrariado. Nessa história, um caçador por  desafiar as ordens de um kãwéra é levado para uma gruta e se transforma em um novo kãwéra.

            “As makukáwas” - Makukáwa é um pássaro amazônico que, segundo a religião dos Maraguá e Sateré, é um bicho “visagento”. Visagento significa visagem. Neste mito, um homem sai para caçar e mata muitas makukávas, muito além do que necessitava para comer. Por conta dessa ambição desmedida, é admoestado por Makukawaguá, pai dos pássaros makukáwas, e recebeu esta lição: “De hoje em diante, você só matará pássaro para seu consumo, caso contrário, eu voltarei e não darei perdão”. (p.24).

            “História de Mapinguary” – Mapinguary é uma entidade maligna da floresta com o corpo coberto de pelos e uma grande boca situada na altura do estômago.

            Mais uma vez estamos diante de um mito ligado à caça.  Dois amigos partem para caçar e encontram um lindo pedaço de carne pendurado em uma forquilha. Um deles resolve comer aquele pedaço de carne, o outro fica receoso e avisa ao amigo que deve ser artes de Mapinguary. Indiferente aos conselhos do mais avisado, o teimoso comeu e foi deitar satisfeito em uma rede. Não consegui dormir direito, era só cochilar que vinha uma “visaje” e o jogava no chão, assim passou a noite, da rede para chão, do chão para rede.

            Quando o dia amanheceu, o homem que não havia comido da carne, levantou-se e foi chamar o amigo. Chamou, chamou e não obteve resposta. Resolveu ir até à rede do amigo e notou que ele estava embrulhado em um lençol, apenas com a cabeça de fora. Os olhos estavam arregalados denotando espanto. Chamou-o novamente e não sentiu nenhuma reação, resolveu puxar o lençol e tomou um grande susto – o corpo do amigo não estava lá, apenas a cabeça. O Mapinguary tinha levado o corpo. A artimanha do Mapinguary continuou e outros rapazes comeram as carnes deixadas nas forquilhas e tiveram o mesmo destino – todos foram transformados em mapinguarys.          

            Este terceiro mito é o mais longo e o mais cruel. Aqui não se reverencia a bravura e a verdade. É um mito cheio de suspense e de medo.

            As lendas são mais humanas e as histórias mais amenas. “O pescador e a onça” é um relato de amizade entre um homem e uma onça; “O bicho e o casamento” é uma versão indígena de um conto popular – um homem tinha quatro filhas, todas muito bonitas, mas não queria que elas se casassem. Um caçador muito valente chegou à aldeia e apaixonou-se por uma das filhas do pai ciumento. Para conseguir realizar seu desejo, teria que matar um bicho que estava devorando a sua plantação de mandioca. O trato foi feito e o rapaz consegue capturar e matar o monstro que era a própria mãe das moças que à noite se transformava em monstro.

            A última história – “Dois velhos surdos” é bem engraçada. Um casal de velhos ouvia muito pouco e se tornava difícil a comunicação entre eles. Por conta dessa deficiência auditiva, são vítimas de “visajes”.   

            Yaguaré Yamá afirma que algumas dessas histórias foram criadas por ele, outras foram recontadas,  amparadas em histórias tradicionais e narrativas dos seus antepassados.

            Não poderia deixar de fazer referências às ilustrações de Luana Geiger. A artista usou poucas cores, apenas cores primárias – o amarelo, vermelho e azul, a única exceção é o verde para simbolizar a floresta, mas tanto os desenhos como as ilustrações representam bem o clima de medo, espanto, amizade e afeto. 

  

            LIVROS PARA BIBLIOTECAS

            Segundo dados da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, as bibliotecas escolares são essenciais na formação do leitor e o Nordeste é carente de bibliotecas. Algumas escolas não possuem nem mesmo um local de leitura.

            Em 2012, através do projeto “ Mandala de Livros”, fizemos as seguintes doações de livros de literatura infantojuvenil para bibliotecas públicas e escolares:

            Março de 2012 – Biblioteca da Escola Municipal Agostinho Fonseca Neto – 200 livros

            Maio de 2012 – Biblioteca da Escola Piolin: 50 livros. Cristina Strapação foi a intermediária da entrega dos livros

            Junho de 2012 – Biblioteca da Comunidade da Penha: 100 livros.  William Costa foi o intermediário da entrega dos livros

            Agosto de 2012 – Biblioteca Pública Estadual – General Osório: 250 livros

            Novembro de 2012 – Biblioteca da Escola Municipal Augusto dos Anjos: 200 livros

            Dezembro de 2012 – Biblioteca Pública da cidade de Cuité: 150 livros. Yó e Cláudio Limeira foram responsáveis por esta doação.