terça-feira, 11 de setembro de 2012



ABC de José Lins do Rego
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB) 

As leis que regem a linguagem, quando se cristalizam e fecham em intransigências radicais, aniquilam a expressão e desmantelam o ritmo.
(José Lins do Rego. Discurso de posse na ABL, 1957).


A editora José Olympio, hoje pertencente ao grupo Record, tem uma história digna de registro no cenário das letras brasileiras. O livreiro e editor José Olympio foi o responsável pela edição e divulgação de muitos escritores nordestinos. Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Luís Jardim, nos anos 30 e 40 do século XX, integram o quadro de escritores da casa.   Gilberto Freyre dizia que José Olympio reunia em torno de si três dimensões – humana, cultural e editorial. Os anos se passaram, o livreiro/editor já não pertence ao mundo dos vivos, a editora sofreu revezes, mas o nome permanece bem vivo.
Atualmente, a editora José Olympio pertence ao grupo da Record.  Com o objetivo de divulgação escolar, os grandes escritores da antiga casa são apresentados de forma bem didática nos livros que trazem o título de ABC. Já tivemos o “ABC de Rachel de Queiroz”, “ABC de José Cândido de Carvalho”, aparece agora “ABC de José Lins do Rego” (Rio de Janeiro: José Olympio, 2012), texto de Bernardo Borges Buarque de Hollanda. O professor Damião Ramos Cavalcanti, conterrâneo de José Lins do Rego, foi o primeiro a dar a notícia sobre este livro que recebemos recentemente e passamos a tecer algumas considerações.
O ABC é um poema típico da literatura de cordel nordestina, composto de estrofes que se iniciam sucessivamente pelas letras do alfabeto, de A a Z. “ABC de José Lins do Rego” apresenta um resumo da vida e da obra do escritor paraibano com discussões de alguns temas pertinentes à obra deste escritor. Nas palavras de Bernardo Borges Buarque de Hollanda, é “uma porta de entrada para ajudar o leitor iniciante”.   
Bernardo Borges Buarque de Hollanda fez pós-doutorado em Paris, no ano de 2009, na Maison des Sciences de l´Homme e na Bibliothèque Nationalle de France e redigiu parte deste livro em Paris, a outra parte foi feita no Brasil e contou com a valiosa colaboração das filhas de José Lins do Rego e do poeta Thiago de Melo, amigo fraternal de Zé Lins.
Como ocorre com esta modalidade da poesia popular – ABC, vamos encontrar os verbetes agrupados de acordo com as letras do alfabeto, assim destacamos: A – Açúcar: E – Escola do Recife, F- Fogo Morto, G – Gilberto Freyre, J – José Olympio, M – Memória e Imaginação, Estes são alguns exemplos deste rico e vasto material sobre o escritor do “ciclo da cana-de-açúcar”. É sobre os verbetes citados que deitamos nosso olhar.
A – Açúcar. Para este verbete, o ensaísta Bernardo Buarque de Hollanda discorre sobre a origem do escritor José Lins do Rego, sua vivência no Engenho Corredor, a família, a ascensão e queda dos engenhos da várzea do rio Paraíba.  
E – Escola de Recife. A cidade de Recife é retratada, neste livro, a partir do ano 1916, época em que José Lins do Rego foi estudar naquela cidade a fim de concluir o ensino médio e se preparar para cursar a Faculdade de Direito. Bernardo Buarque de Hollanda traça um panorama histórico/político do período que compreende os anos da 1ª. Grande Guerra Mundial (1914/1918).
  F- Fogo Morto. Este romance é considerado pela crítica como a sua obra-prima. “O cenário de decomposição impregnaria boa parte das lembranças de José Lins, associando em sua memória a ruína das antigas unidades de produção de açúcar”. ( 2012,p.65). “Fogo Morto” representa a desfiguração de toda uma paisagem social do Nordeste.
G – Gilberto Freyre. A amizade de José Lins com Gilberto Freyre começou em 1923, no Café Continental, em Recife. Este local era ponto de encontro entre os políticos, jornalistas, escritores. Nas palavras do escritor paraibano, a amizade com o sociólogo pernambucano modificou inteiramente sua vida: “Para mim, teve começo naquela tarde de nosso encontro a minha existência literária. E a minha aprendizagem com o mestre da minha idade se iniciava sem que eu sentisse as lições.” (2012, p.79. Extraído do livro Gordos e Magros).
J – José Olympio. Mais do que um editor, José Olympio foi o responsável pela publicação de livros de autores nordestinos, entre eles José Lins do Rego. E vem uma informação interessante no que se refere à denominação “ciclo da cana-de-açúcar”. O nome de ciclo para os romances canavieiros  de José Lins foi uma sugestão da mulher de José Olympio, Vera Pacheco Jordão Pereira, uma estratégia que induzia para compra conjunta dos livros.   
M – Memória e Imaginação. Por sugestão de Gilberto Freyre, José Lins se tornou leitor de Marcel Proust. O escritor francês se apropriou da memória de maneira inovadora e descreveu suas recordações nos sete romances de teor memorialista – “Em busca do tempo perdido”. O livro “Menino de Engenho” e os outros romances canavieiros de Zé Lins apresentam várias características proustianas.
 É a sugestão que deixamos para os leitores neste inicio de setembro. Vamos reler os livros de Zé Lins, tendo como companhia o “ABC de José Lins do Rego”. 

NOTA LITERÁRIA 


JOACIL DE BRITTO PEREIRA (IN MEMORIAM)


 Joacil de Britto Pereira foi um escritor prolífero e transitou, com mestria, por vários gêneros literários: ensaio, romance, teatro, biografia, poesia. Um dos seus últimos textos foi escrito para a coletânea “Confesso que li” (João Pessoa: Ideia, 2012). Com o título “Memórias de infante e de adolescente”, pinçamos alguns momentos deste bem elaborado texto de cunho memorialista: 
Da primeira vez que falei em público, tinha pouco mais de cinco anos. E o fiz para declamar, em festa da Igreja Presbiteriana, uma poesia infantil. Ainda hoje a tenho de cor. [...] Um sucesso essa minha primeira falação. Declamei tudo direitinho, bem explicadinho, sem acanhamento e com a gesticulação adequada. Minha mãe me ensinara a poesia e comigo ensaiou para que pudesse recitá-la. Ela tinha dotes artísticos. (2012, p. 107-108).
Já adolescente, lembro-me muito bem que recebi uma missão de recitar, na noite de certo dia, em uma festa na Igreja Presbiteriana, o poema Caridade e Justiça, de Guerra Junqueiro. O pastor Josibias Fialho Marinho, pelas 08h00, me incumbiu de declamar aquele poema. Passei o dia ensaiando com minha mãe para recitar a versalhada de 22 estrofes, daquele vate lusitano. E à noite, dei conta do recado.” (2012, p. 108).
[...] também enveredei pela arte cênica, fui um dos fundadores do teatro de estudantes da Paraíba e encenei com o elenco a peça “Se o Anacleto Soubesse...”  de cujo elenco participei, interpretando o principal papel masculino.
Da adolescência à velhice sempre respirei literatura, mesmo enfermo leio e redijo todos os dias. (2012, p. 112).

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