segunda-feira, 26 de março de 2012

A ressurreição de Carlos Lébeis


A RESSURREIÇÃO DE CARLOS LÉBEIS

A infância é a época em que imaginação e realidade se confundem.
(Laura Sandroni)

Quando falamos em literatura infantil brasileira dos anos 30 e 40 do século XX, despontam os nomes de Monteiro Lobato, Viriato Correia e alguns livros de Luís Jardim, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Estes três últimos escreveram livros para adultos e fizeram incursões no terreno da literatura infantil. Carlos Lébeis, que foi contemporâneo de Lobato, é sempre esquecido. A Cosac Naify, com a publicação de “Cafundó da Infância (2011) e “No país dos quadratins...” (2012) procurou ressuscitá-lo.
Quem foi Carlos Lébeis?
O nome completo do escritor é Carlos Magalhães Lébeis, nasceu em São Paulo em 1889 e faleceu em 1943. Nelly Novaes Coelho, no “Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira (1882-1982)” traz um pequeno verbete sobre o autor. Diz a crítica da literatura infantil:
“Faz parte da geração de 22, tendo sido considerado pelos companheiros como um “grande talento”...] Escreveu dois livros para crianças: O PAÍS DOS QUADRATINS (ilustrado por Cândido Portinari, publ em 1928) e A CHÁCARA DA RUA UM (1930). São estórias de travessuras infantis, onde o espaço real ( de natureza edênica e acolhedora) acolhe situações onde o mágico prevalece.” (p. 110).
A editora Cosac Naify conseguiu resgatar os livros de Carlos Lébeis e publicou “Cafundó da Infância” (2011), com ilustrações de Anita Malfatti e “No país dos quadratins...” (2012), ilustrado por Cândido Portinari. Ainda, em 2012, pretende publicar “A chácara da rua Um”.
“Cafundó da infância” permaneceu inédito por mais de 70 anos. Um sobrinho de Carlos Lébeis, Paulo Bomfim, teve acesso aos originais do livro e, depois de muitos anos, cumpriu a promessa que fizera um dia a Anita Malfatti - cuidar da publicação deste livro destinado às crianças. Anita não teve tempo de ver o livro publicado, mas as ilustrações da pintora aparecem na capa e nas páginas internas e dão um toque especial à história do pássaro Curió.
Cafundó da infância é um lugar distante e encantado onde tudo pode acontecer, até o impossível. Lá os passarinhos têm nome e são tratados como seres humanos. Existe um tico-tico que é conhecido como Tico-tico de Sousa, um vira chamado Maneco Vira-vira, um pintassilgo, Pintassilgo Caruso. Existe, também, um tal de João de Barros.
Curió Xavier é o personagem principal dessa história. Ele falava como gente e resolveu contar para alguém as suas memórias. Não sabemos se era para um menino ou adulto, podia ser para um poeta como Manoel de Barros, chegado na idade, mas com a alma de criança.
Caro leitor ou leitora, não se espante com as histórias desse passarinho falador. Emília, a boneca feita de pano por tia Nastácia, contou suas memórias para o Visconde de Sabugosa, que era um sabugo de milho e lembre-se de que Carlos Lébeis foi contemporâneo de Lobato.
Curió começou suas memórias com o relato do local de seu nascimento – um quintal cheio de várias espécies de árvores frutíferas: mangueiras, jaqueiras. Todos os animais viviam em perfeita harmonia. Nesse “país-paraíso”, morava um menininho miúdo e esperto, dono de um coração maior do que a “manga coração de boi”. Era um anjo sem asas, amigo de todos os animais e de todas as plantas. O nome desse menino era Esperidião Caxuxo.
Mas nem tudo continuou só bonança no Cafundó da infância. Um dia... chegaram uns meninos esquisitos, mal-encarados e perversos, meninos de barba-grande e voz grossa. Esses meninos pareciam ter parte com o demo. E sabe o que eles queriam fazer? Derrubar as árvores e matar todos os passarinhos. Será que esses meninos malvados conseguiram o que pretendiam? Somente o Curió Xavier sabe da resposta, e o leitor curioso poderá saber também.
“Cafundó da infância” é um livro de teor ecológico. A luta dos pássaros para se livrar dos meninos perversos, o desejo das árvores de serem transplantadas revelam o amor do autor pela natureza.
Os capítulos do livro correspondem às histórias contadas pelo Curió Xavier e cada história traz uma ilustração colorida de Anita Malfatti. O título dos capítulos aparece em papel de folha colorida dobrada. Ao desdobrar a folha, surge a bonita ilustração de Malfatti – desenhos delicados, cores suaves, tudo condizente com o clima paradisíaco do livro.
Paulo Bomfim, no posfácio, afirma: “Carlos Magalhães Lébeis, o inesquecível tio, está ligado pelos túneis da memória e do afeto da minha infância.”.
Não poderia concluir sem fazer referência ao vocábulo “cafundó”, hoje pouco usado. No Dicionário da Língua Portuguesa de Houaiss, cafundó, palavra de origem africana, é local de difícil acesso, situado entre montanhas e pouco habitado. Na linguagem popular, um lugar onde o cão perdeu as botas ou onde o vento faz a curva.

REVELAÇÃO

A escritora Ana Maria Machado, presidente da Academia Brasileira de Letras, foi entrevistada no programa “Leituras” (TV. Senado, 17/03/2012) e revelou o segredo do sucesso de seus livros: escrevo como quem fala, sem artificialismos, sem jargões, e devo isso a experiência com a prática jornalística e o rádio. Durante muitos anos, Ana Maria Machado foi colunista do “Jornal do Brasil”.
( Textos publicados no jornal “Contraponto”, março de 2012)

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