sábado, 14 de maio de 2011

MURURU NO AMAZONAS: um divisor de águas


MURURU NO AMAZONAS: um divisor de águas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Ser capaz, como um rio
que leva sozinho
a canoa que se cansa
de servir de caminho
para a esperança.
(Thiago de Mello. Como um rio)

Flávia Lins e Silva escreveu uma série de livros com relatos de viagens que tem como protagonista Pilar. Integram livros dessa série: “Diário de Pilar na Grécia”, “Cadernos de viagens de Pilar”, “A folia de Pilar na Bahia”. Flávia adora viajar e visitou lugares que considera fascinantes: Grécia, Machu Pichu e Amazonas.
A respeito da região amazônica, afirma: “É o lugar mais maravilhoso que já conheci. Parece que o mundo está em pleno nascimento, com tudo se acabando de se formar, no exato momento em que descobrimos”. Flávia fez uma viagem pelo rio Amazonas e navegou pelo tranquilo rio Negro, passando pelas Anavilhanas indo até Apuaú.
Certamente foi esse encontro de encantamento que deu origem a seu último livro – “Mururu no Amazonas” (Ed. Manati, 2010), indicado para o público juvenil e selecionado para o catálogo White Ravens da biblioteca infantojuvenil de Munique (2011).
Se, antes, Pilar era a protagonista dos livros indicados para o público infantil, em “Mururu no Amazonas”, um romance juvenil, vamos encontrar uma menina-moça, que assim se apresenta:
“Sou como meu nome: Andorinha. Vou de rio em rio e, quando o mundo esquenta, me arremesso de barriga na água. Na escola, me reinventaram e virei Dorinha. Desde então, carrego essa divisão em mim: sou Dorinha por fora e Andorinha por dentro”. (p.13-14)
A mãe conta que a menina aprendeu a remar antes mesmo de andar. Andar de barco é o que a menina mais gosta. Quando o rio sobe, ela não precisa se pendurar nos galhos para colher frutas, estica a mão e puxa. A árvore carregada de frutos fica bem na altura do barco. É, também, de barco que a menina vai para a escola. Remando sobre o mato alagado, ela gosta de inventar caminhos.
Só esteve no rio Negro uma vez, ainda era miúda, e guarda boas recordações desse dia – nadou nas águas calmas da cor de café, café ralo que se finge de transparente. A observação que segue traz marcas poéticas: “Quem entra uma vez no Negro não se cura nunca: passa o resto dos dias feito eu, afogada em saudade. (p. 16-17)
A sábia frase de Heráclito: “Ninguém se banha duas vezes na água do mesmo rio” encontra ressonância na observação de Andorinha: “Já percebi uma coisa: não tem rio sempre igual. Nem a vida é sempre a mesma. A água vai transformando o mundo com o tempo, ditando a vida dos bichos e a vida da gente. (p. 20-21)
Uma das distrações de Andorinha é inventar nomes. Remo poderia ser chamado de “ralamão.” A mão arde muito depois de remar. A formiga poderia se chamar “forminimiga”, pois estraga as plantações de mandioca. E já que tem nome inventado para tudo, ela resolve criar um nome para seu casquinho (barco), ele vai se chamar “mururu”. Ela não sabe o que quer dizer, nome inventado não precisa ser explicado.
Um dia a menina resolveu partir rio acima e encontrou um caboclo, o menino Guapiú, mas este lhe pede que o chame apenas de Piú. Os dois partem, cruzam as águas compridas do rio, procuram passagem de volta para as Anavilhanas (anavilhanas são ilhas que se formam no leito do rio) e de repente entram em um grande espelho. Paisagem deslumbrante é descrita com exclamações: “É o rio vestido de árvore! Tudo se mira na água: até o céu! Vaidoso, o céu passeia pelo rio, agora todo enfeitado de nuvens. A floresta também se admira, banhando-se no espelho da água.” (p. 41)
Andorinha e Piú estão sozinhos naquele mundaréu de água, escondidos de tudo e de todos. Talvez este seja o momento mais lírico do livro:
“Deitado comigo, Piú se faz homem, cada vez mais homem, e eu já não sou quem era: sou mulher inaugurada”. (p.55)
Juntos, muito unidos, o casal contempla o despertar da natureza. Um tracajá fêmea (tartaruga) desovando, o jambeiro se vestindo de púrpura, as tartaruginhas nascendo e correndo para o rio.
Não vamos contar o resto da história. Há ainda muita coisa bonita para descobrir, muitas águas para percorrer, muitos dias de chuva e de sol.
Em nota inserida na última página do livro, vem esta observação que vale a pena ser registrada:
“Este livro, Mururu no Amazonas, certamente é um divisor de águas na carreira da autora. Nele, Flávia deixa fluir o melhor de si, e o resultado é tão belo em sua nudez, tão justo em sua descabida medida, que o livro passa a ser uma obra ímpar, que inaugura a maturidade da escritora”.
Se Fernando Pessoa louvou o mar português, Lúcio Lins, o Cabo Branco, Flávia Lins e Silva escolheu o rio Amazonas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Li este livro eu adorei, pois achei o livro cheio de emoções....