sábado, 22 de janeiro de 2011

Clarice Lispector para jovens




Livros & Literatura
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Clarice Lispector para jovens

Quando escrevo para crianças, sou compreendida, mas quando escrevo para adulto fico difícil? Deveria eu escrever para os adultos com as palavras e os sentimentos adequados a uma criança? Não posso falar de igual para igual?
(Palavras proferidas por Clarice Lispector quando recebeu o prêmio por seu livro infantil – O mistério do coelho pensante).

Clarice Lispector reconhecia que os livros que escrevia para adultos eram herméticos, mas quando se voltava para o público infantil estabelecia um fraterno diálogo com o leitor. Isso ocorria, também, com as crônicas publicadas nos jornais.
Durante sete anos (1967/1974), Clarice Lispector publicou crônicas no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro). Escrevia uma coluna aos sábados e sentia que havia extrapolado o gênero. Na crônica “o grito”, ela assim se expressou: ”Sei que o que escrevo aqui não se pode chamar de crônica nem de coluna nem de artigo.” Crônica ou não, os textos eram lidos e bem assimilados por todos.
Com o objetivo de resgatar as crônicas de Clarice publicadas no JB e o pensamento voltado para o leitor jovem, a Editora Rocco publicou “Crônicas para jovens: de amor e amizade” (2010). Pedro Karp Vasquez organizou, selecionou os textos e fez a apresentação do livro. Nas crônicas, Clarice “abriu o coração aos leitores sem rodeios nem artifícios.”
Há crônicas que são bem curtinhas, apenas um parágrafo, como “o presente”, “mas há a vida”, “liberdade”. Preferimos aquelas que contam uma história, as que têm “sopro de vida”.
Em “amor imorredouro”, Clarice fala sobre uma longa conversa que manteve, certa vez, com um motorista de táxi, no Rio de Janeiro. Era um espanhol ainda bem moço, de bigodinho e olhar triste. No percurso da viagem, que foi demorada, ele contou que há catorze anos, quando, ainda, morava na Espanha, namorou uma moça que adoeceu de repente e nenhum médico foi capaz de curá-la. Depois de três dias, ela morreu. Ao perguntar o nome da moça, Clarice teve um susto, chamava-se Clarita, e revela que ao ouvir esse nome “sentiu-se amada e quase morta”.
Prosseguindo a história, ele disse que ficou muito desgostoso com a morte da namorada e resolveu vir morar no Brasil, não quis mais saber de amor, o máximo que conseguia era ter alguns casos com várias mulheres, mas caso sério de amor nunca mais.
“Viagem de trem” é o relato de uma viagem que Clarice fez na companhia do pai de Recife para Maceió. Ela estava com 11 anos, “era altinha e já meio mocinha.” A viagem de trem para Maceió, naquele tempo ( anos 30 do século XX) , durava quase um dia inteiro; nessa viagem ela encontrou um rapaz de seus 18 anos - “lindo de morrer” - e, sob o olhar aparentemente distraído do pai, eles conversaram e namoraram. A mocinha não cabia em si de tanta emoção.
Clarice tinha uma forte afeição por Lúcio Cardoso e uma de suas crônicas traz o título “Lúcio Cardoso”. Neste texto, ela revela que Lúcio sempre lhe despertava saudades, mas era uma “saudade tristíssima”, saudade duplicada.
A primeira saudade se relaciona com a doença de Lúcio. Ele adoeceu e não podia mais escrever, ficou com o lado direito todo paralisado. Mais tarde usou a mão esquerda e começou a pintar. E vem esta afirmativa: “o poder criativo nele não cessara”.
A segunda saudade está relacionada com a morte de Lúcio. Quando ele morreu, ela não foi ao velório, nem ao enterro, nem à missa. E explica o porquê: “havia dentro de mim silêncio demais.”
Com o escritor mineiro, ela aprendeu a ser mineira também, ele ainda lhe ensinou a conhecer as pessoas, a vê-las através das máscaras, ensinou o melhor jeito de ver a lua.
A cumplicidade entre os dois era muito grande – Lúcio com uma “vida misteriosa e secreta”, ela com uma “vida apaixonante”. Se não houvesse a “impossibilidade”, quem sabe, teriam casado.
Depois da leitura dessa crônica, só resta mesmo o silêncio, tudo fica mudo, as palavras fogem, escondem-se, não sei onde encontrá-las. Associo-me ao silêncio clariceano.
“Crônicas para jovens: de amor e amizade” é um título sugestivo, uma conversa informal com os leitores, crônicas que falam ao coração

sábado, 15 de janeiro de 2011

Vida, Morte e Ressurreição de um papagaio




LIVROS & LITERATURA
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Vida, Morte e Ressurreição de um papagaio

A grande ambição da arte é superar a dor, a morte e reinventar a vida.
(Eucanaã Ferraz)


“História da ressurreição do papagaio” (Cosac Naify, 2010) foi escrita, ilustrada e traduzida por três grandes artistas – Eduardo Galeano, escritor uruguaio, Antonio Santos, artista plástico e escultor espanhol/catalão, Ferreira Gullar, tradutor e poeta brasileiro/nordestino.
Eduardo Galeano escolheu o Ceará como cenário de sua história. Um folheto de cordel, ouvido em um mercado público, no Ceará, foi o ponto de partida para escrever a morte de um papagaio; Antonio Santos se inspirou no artesanato nordestino para fazer as ilustrações do livro (esculturas coloridas em madeira) e o poeta Ferreira Gullar traduziu, com “engenho e arte”, o texto de Eduardo Galeano.
O cordel é um manancial inesgotável de inspiração para escritores e ilustradores. O Nordeste, com suas tradições, seu modo de ser e de fazer, está todo presente nos folhetos dos cordelistas brasileiros. Ângela Lago e Ricardo Azevedo, para citar apenas dois autores, têm utilizado, com muita freqüência, textos de natureza popular para escrever e ilustrar seus livros.
De forma diferente dos contos tradicionais e populares, a história do papagaio começa de modo direto, sem delongas:

“O papagaio caiu na panela que fumegava
Subiu nela, ficou tonto e caiu.
Caiu de curioso, e se afogou na sopa quente.”

Diante da tragicidade do fato, a menina, que era sua amiga, chorou. Em seguida, aparece uma vasta enumeração de coisas que se associam à dor da menina:
“A laranja se despiu de sua casca
e lhe ofereceu consolo.”

“O fogo que ardia sob a panela
se arrependeu e se apagou.”

“A árvore, inclinada sobre o muro,
estremeceu de pena.”

“Quando o vento soube do que ocorrera,
soltou um sopro. ”

O céu não ficou indiferente. Ao tomar conhecimento da má notícia, empalideceu. O homem emudeceu.
Um oleiro cearense quis saber como tudo tinha acontecido. O homem, que havia recuperado a fala, contou todos os detalhes. O oleiro reuniu toda aquela tristeza e resolveu ressuscitar o morto.
Deu colorido ao papagaio com plumas amarelas da cor do fogo e da laranja, plumas azuis do céu e plumas verdes da árvore. O papagaio ganhou palavras do homem para falar e água das lágrimas da menina para beber e se refrescar. Por fim, apareceu uma janela aberta e o papagaio voou ao sopro do vento.
Se deixarmos reunidos um escritor criativo, um artista plástico e um poeta o resultado só pode ser este – um livro que encanta pela poeticidade da linguagem e beleza das ilustrações.
Eucanaã Ferraz, em nota apensa ao livro, afirma que; “Muito além da geografia, essa história trata de sentimentos universais, compaixão, ternura, amizade”.
Recorremos à Cecília Meireles para externar o sentimento que esse livro nos despertou:
“Mas a vida, a vida, a vida
a vida só é possível
reinventada.”
(Reinvenção. Vaga Música)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Contos brasileiros e outros contos














Contos brasileiros e outros contos
( Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB)
O valor do conto não é apenas emocional e delicioso, uma viagem de retorno ao país da infância.
( Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil)

Lenice Gomes e Fabiano Moraes organizaram uma antologia de contos populares e deram o título de “Histórias de quem conta histórias.” O livro, com selo da Editora Cortez (2010), reúne 15 escritores contadores de histórias de diversas regiões do Brasil, de Portugal e do México.
Na apresentação do livro, os organizadores da coletânea celebram o poder e a força da Palavra e frisam que contar histórias implica em refazer as pegadas de memórias ancestrais.
Ciça Fitipaldi fez bonitas ilustrações na abertura de cada conto. Algumas ilustrações nos lembram as xilogravuras nordestinas, outras recriam o cenário fabuloso dos contos, mas todas trazem a marca dos traços da pintura primitiva.
Após a apresentação dos contos, aparece uma breve biografia do autor e seus trabalhos com a arte de contar histórias. Vários autores integram grupo de contadores de histórias no Brasil e se destacam no cenário internacional, participando de simpósios, concursos de contadores de histórias. Lenice Gomes e Fabiano Moraes comparecem com os contos “ O papagaio real” e “Os compadres corcundas”.
Divididos em quatro partes, os textos foram agrupados em: “Lendas de perto e de longe”, “Contos de assombrar e de arrepiar,” “Histórias de fadas e outros encantos,” “Contos de esperteza e de sabedoria. “
No grupo “Lendas de perto e de longe”, destacamos “La leyenda de Popocatepetl e Iztaccihuatl”, recolha de Marcela Romero García. Essa história se passa muito antes da chegada dos espanhóis nas terras dominadas pelos astecas e fala sobre a coragem de um jovem índio tlaxcalteca que desejava libertar seu povo do jugo dos astecas. Ainda, nesse grupo, aparecem “ O véu encantado” e “Cobra Norato”.
“Contos de assombrar e de arrepiar” contém três histórias que falam sobre um ônibus fantasma, um corpo seco e a disputa entre um elefante e uma tartaruga.
“Histórias de fadas e outros encantos” envolve as narrativas denominadas por Câmara Cascudo de “contos de encantamento”. “O papagaio real”, recolha e recriação de Lenice Gomes, aparece com o mesmo título em “Contos tradicionais do Brasil, no livro de Câmara Cascudo. Esse conto foi recolhido, anteriormente, por Sílvio Romero com o título de “O papagaio do Limo Verde”.
Se compararmos os textos de Sílvio Romero, o mais antigo, o de Câmara Cascudo, posterior ao de Sílvio Romero, e o de Lenice Gomes, o mais moderno, iremos encontrar afinidades e divergências. Sílvio Romero apresenta-nos um texto narrativo, com poucos diálogos; Câmara Cascudo um texto sintético, com muitos diálogos; Lenice Gomes inova e nos traz um conto com linguagem mais dramática, aproximando-se dos contadores de histórias da modernidade.
“Contos de esperteza e sabedoria” reúne cinco contos que se caracterizam pela sagacidade de seus personagens. Não poderia faltar “Pedro Malasartes, conhecido pícaro dos contos populares.
Algumas das histórias selecionadas se assemelham a mitos e citamos “La leyenda de Popocatepetl”. A explicação dada para a origem do monte do Vale do México – “ La mujer Dormida” – se aproxima do mito.
Jung considera que os temas míticos são encontrados nas mitologias dos povos antigos ou entre grupos humanos primitivos, mas eles podem estar presentes nas estórias maravilhosas, nos contos de fadas e nos textos que atravessam o crivo das exigências racionais.
Este livro procura valorizar o papel do contador de histórias, figura importante na formação do futuro leitor. Gilberto Freyre e José Lins do Rego foram assíduos ouvintes de histórias contadas nos alpendres das casas de engenho. Sílvio Romero e Câmara Cascudo recolheram essas histórias de antigos contadores sertanejos. Lenice Gomes e Fabiano Moraes convidaram contadores modernos que procuram manter vivas essas histórias.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

LEITURAS NATALINAS (2)





LEITURAS NATALINAS (2)
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ-PB)

FELIZ de quem, quando o ano termina,
possui um doce e acolhedor abrigo:
a companheira, o filho, a avó tão rara
ou mesmo o amigo
com quem possa se reunir em Cristo.
(Jorge de Lima. Natal)

Neste Natal, além dos tradicionais cartões natalinos, dos e-mails com votos de Boas Festas, envie livros para os amigos. Poderá ser um livro com o título “Cartão Postal”. Gostou da ideia? Saiba que existe um bonito livro escrito por Luiz Raul Machado, ilustrado por André Neves que traz este título, uma publicação da DCL (2010).
A história desse livro gira em torno de um menino que era dono de um cartão postal que ficava sobre sua mesa, mas não era um cartão postal comum, dentro dele havia um lago e no lago morava uma fada. De tanto olhar o cartão o menino terminou morando dentro do cartão. O menino e a fada se tornaram grandes amigos, conversavam muito, conversas que só menino e fada são capazes de entender.
Às vezes, o menino estava triste e contava para a fada a razão de sua tristeza, outras vezes estava alegre falava sobre as pequenas alegrias. E o menino contava histórias à fada – a história do soldadinho de chumbo e outras histórias que a fada sabia de cor e salteado. A fada também contava história de peixes, de pedras e plantas e, se o menino já sabia, fazia de conta que era novidade. Menino e fada se entendiam muito bem.
O ilustrador André Neves deu um mergulho na história e como gosta muito de água usou e abusou do azul, afinal a fada da história morava em um lago.
“Cartão Postal” remete a outras leituras – no último capítulo, aparece uma citação de um trecho do livro “Pinóquio”, uma tradução de Monteiro Lobato, e um poema do livro” Cabeças”, de Eudoro Augusto.
A leitura é simbólica e cheia de sugestões e permite que o adulto mergulhe no lago e viva as mesmas aventuras do menino e da fada.
E qual seria o quinto livro recomendado? Escolhemos um livro que fala sobre livros – “Sábado na livraria”, de Sylvie Neeman, ilustrações Olivier Tallec (Cosac Naify, 2010). No Brasil, o livro foi traduzido por Cássia Silveira. O título original em francês é “Mercredi à la librairie”.
A história versa sobre o encontro entre uma menina e um velho. Os dois sempre se encontram na livraria, mas leem livros bem distintos A menina gosta de ler quadrinhos, o velho lê um livro bem volumoso, às vezes os olhos lacrimejam e vem a desculpa: “Olhos envelhecidos lacrimejam mais facilmente”.
Enquanto a menina lê bem rápido, o velhinho lê mais devagar. Ele gosta de histórias de guerra. Todo sábado é a mesma rotina – os dois visitam a livraria, trocam algumas palavras e sentam para ler suas leituras prediletas.
A publicação desse livro em português proporcionou, no Brasil, vários depoimentos de donos de livrarias, professores, críticos de arte.
Yacy Mattos, da Livraria Malasartes, no Rio de Janeiro, escreveu um texto discorrendo sobre o livro de Sylvie Neeman e relatou suas experiências como leitora e as atividades que desenvolve na livraria que dirige há cerca de 30 anos.
Verônica Stigger, crítica de arte e professora universitária, lembra que o livro ativou uma série de recordações, passando por sua infância até as visitas aos sebos de Porto Alegre, na idade adulta.
Os dois livros que citamos esta semana são destinados às crianças, mas certamente os adultos poderão ler com prazer, pois falam de coisas que tocam a sensibilidade do leitor.
É possível fazer compras de livros pela internet, pedir livros por reembolso postal, mas nada é comparável à sensação de ir à livraria, examinar o livro, tocá-lo, senti-lo, comprar e levar para casa o “objeto sagrado”, como chamava Jean-Paul Sartre.