segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O vendedor de jornais revisitado-dav pilkey


O vendedor de jornais revisitado
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

São tantas as palavras
- como as pessoas -.
mas descobri-las poéticas é um exercício
secreto e refeito dia a dia.
(Arriete Vilela. Poema 37. In: Vadios Afetos)


Dav Pilkey é natural de Cleveland (EUA) e mora, atualmente, em Washington. É autor, entre outros livros, da série “As aventuras do Capitão Cueca”, “Ricky Ricota e Super–Robô”, traduzidos e publicados pela Cosac Naify.
Em 2010, a Cosac Naify publicou mais um livro de Dav Pilkey – “O menino entregador de jornais” (The Paperboy) que recebeu menção honrosa na Medalha Caldecott. No Brasil, o livro foi traduzido por Otávio Frias Filho, autor de livros infantis e diretor de redação do jornal “Folha de São Paulo” desde 1984.
As ilustrações deste último livro são de Dav Pilkey e chamamos a atenção do leitor para as páginas 24 e 25, elas foram inspiradas no quadro de Van Gogh – “Noite estrelada”. Acrescentamos que a ilustração da última página - um menino voando com um cachorro nos braços nos faz lembrar os quadros de Marc Chagall. Isso demonstra o estreito vínculo do escritor com a pintura.
Em nota inserida no livro, ficamos sabendo que a história do menino entregador de jornais é baseada na vida do próprio Pilkey, quando tinha treze anos.
O menino não é identificado pelo nome, é apenas um entregador de jornais. De manhã bem cedo, quando a cidade está escura e as pessoas ainda dormem, o pequeno se levanta bem sutil para não acordar o pai, a mãe e a irmã, chama seu cachorro, pega a bicicleta, arruma os jornais em uma sacola e faz a entrega dos jornais aos assinantes. Cumprida a tarefa, volta para casa e vai dormir.
A história é bem simples. Pilkey utiliza frases curtas, ritmadas. As palavras adquirem um tom poético, como neste exemplo:
“O mundo todo dorme,
menos o menino
e seu cachorro.
E é nessa hora
que eles são mais felizes. (p.24)

A página com este texto traz a ilustração que remete à famosa pintura de Van Gogh – “Noite estrelada” (1889).
A leitura do livro de Pilkey nos levou a uma crônica escrita por Graciliano Ramos em 1915 – “O vendedor de jornais”, publicada no jornal “Paraíba do Sul”, Rio de Janeiro, 20 de maio de 1915.
Nessa crônica, Graciliano descreve o dia a dia de um menino que vende jornais e encontramos afinidades com o texto de Pilkey. A mesma concisão e poeticidade do escritor americano se apresentam no texto graciliânico. Para descrever o menino jornaleiro, o escritor alagoano se esquece da prosa e “penetra surdamente” no reino da poesia. O fragmento que se segue poderia ter sido escrito por Carlos Drummond de Andrade ou Bandeira:

“O vendedor de jornais é o tipo mais despreocupado e alegre do mundo.
Tem uma alma de pássaro.
(...)
Dir-se-ia que tem asas.”
(Linhas Tortas. 2005: p.42)

Os tempos mudaram, hoje os jornais são distribuídos nas bancas de revistas ou entregues por adultos que se utilizam de motos. Ainda é possível encontrar alguns vendedores de jornais, mas em número reduzido. A figura do menino “trêfego, ativo, tagarela como uma pega, travesso como um tico-tico” que cantava o dia inteiro, anunciando grandes acontecimentos está desaparecendo. Felizmente existem os escritores, os poetas, os jornalistas, pintores e escultores que não deixam que essas figuras populares fiquem esquecidas.

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