sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

É Tempo de Leitura



LIVROS&LITERATURA

É Tempo de Leitura

(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)


A leitura nos leva para o espaço e o tempo sensíveis ao coração, o que é, para não dizer mais, uma forma de felicidade.

(Davi Arrigucci Jr.)



Recebemos e adquirimos nesses últimos meses vários livros que falam sobre problemas ligados à leitura, à formação do leitor, ao exercício do ler e do escrever.

Da Editora Biruta, chegaram-nos os livros A Formação do Leitor Literário em Casa e na Escola, de Caio Riter e A Convite das Palavras: motivações para ler, escrever e criar, de Jorge Miguel Marinho. É sobre esses dois livros que voltamos nossa atenção.

Caio Riter divide o livro em duas partes. Encontramos textos que falam sobre as leituras feitas em casa – tempo de ouvir e contar histórias, e as leituras na escola – tempo de formar leitores.

Ao relembrar sua vida de criança, o escritor afirma que não nasceu em uma família convencional de leitores. Na sua casa não havia biblioteca nem estante com livros.

Se a casa do menino Caio era “uma morada de poucos livros”, ele teve uma mãe que lhe contava histórias e recitava quadrinhas, algumas eram cantigas e vinham acompanhadas de um ritmo musical. Ouvir histórias e as brincadeiras com as palavras conduziram-no ao reino dos livros.

O tempo passou... Caio Riter cresceu, estudou, casou, teve filhas. Quando nasceu Carolina, Helena, a filha mais velha, estava com quatro anos e pediu ao pai que lesse uma história para a irmãzinha recém chegada ao mundo. A casa do escritor, agora, era uma morada com muitos livros.

O tempo passou... Caio tornou-se escritor e professor, voltou-se para o processo de formação de leitores literários na escola, tendo como lema os seguintes princípios: ler é contar histórias; ler é prazer; ler é um ato de liberdade.

Como professor, ele se preocupa com o acervo das bibliotecas. A biblioteca não é apenas um lugar de pesquisas, mas espaço de troca e de partilhas literárias.

Para Caio Riter, os professores deveriam ter meios para ensinar as crianças e adolescentes a perceberem a beleza e a magia que está nas entrelinhas de um texto literário, a olhar e admirar um objeto artístico.

Mas afinal o que é ser leitor? Caio Riter nos dá uma boa resposta:

Cada vez mais sou tomado pela certeza de que ser leitor é possibilidade de construção de um ser humano melhor, mais crítico, mais sensível, alguém capaz de se colocar no lugar do outro; alguém mais imaginativo e sonhador; alguém um pouco mais liberto dos tantos preconceitos que a sociedade vai impondo-nos a cada dia, a cada situação. (p. 35).

No livro A Convite das Palavras, Jorge Miguel Marinho reúne artigos, ensaios e crônicas que revelam sua experiência como professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira durante mais de trinta anos. Ao lado da profissão de professor, é autor de muitos livros para crianças e jovens, tendo conquistado vários prêmios literários.

A leitura chegou tarde na vida de Jorge. Os seus primeiros contatos com a literatura foi com a obra de Adelaide Carraro que, para muitos, é leitura “apelativa”. Depois vieram outras leituras – Machado de Assis, Exupéry, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Mário de Andrade. O vírus da leitura estava inoculado.

Neste livro, Jorge Marinho navega por muitas águas: a da poesia, a da narrativa, a do cordel, a dos cronistas, tudo isso permeado com bons exemplos de textos literários.

Para Marinho, o poema “Os ombros suportam o mundo”, de Carlos Drummond de Andrade, é o poema mais triste da Literatura Brasileira contemporânea. Fica o convite para uma releitura desse poema e a aquiescência ou não com a opinião do autor.

Cartas, diários, entrevistas e muitas outras coisas mais integram esse rico universo das motivações para ler, escrever e criar.

Como estamos em período de férias, nada melhor do que reservar um pouco do nosso precioso tempo para a atividade da leitura que, na opinião de Davi Arrigucci, citado por Jorge Marinho, é uma forma de felicidade.

NOTA: O título deste artigo é uma homenagem à coluna É Tempo de Leitura, publicada na revista Verdes Anos (2003/2004), sob a coordenação editorial da poeta e jornalista Yolanda Limeira

sábado, 12 de dezembro de 2009

NATAL: tempo de leitura e releitura




LIVROS & LEITURAS
NATAL: tempo de leitura e releitura
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Mudaria o Natal ou mudei eu?
(Machado de Assis. Soneto de Natal)

Harold Bloom, crítico literário norteamericano, publicou uma coleção de quatro livros com o título – Contos e Poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as idades – que foi traduzido por José Antônio Arantes e publicado pela Editora Objetiva.
Cada volume traz selo de uma estação do ano. Volume 1 – Primavera; volume 2- Verão; volume 3 – Outono; volume 4 – Inverno.
Na apresentação do primeiro volume, o autor discorre sobre o critério de seleção dos contos, fábulas e poemas que integram o universo antológico da coleção.
Foram incluídos 39 contos e fábulas e 74 poemas. Lewis Caroll, o autor de Alice no país das maravilhas, comparece com o maior número de textos. (Louvemos Monteiro Lobato que, nos anos 30, do século XX, teve a perspicácia de traduzir Alice no país das maravilhas para as crianças brasileiras).
E vem esta afirmativa de Bloom que reflete, também, o pensamento de Antonio Candido e Ana Maria Machado, escritores já citados em textos apresentados nesta coluna:
Não concordo com a categoria literatura para criança ou literatura infantil, que teve algum mérito no século passado, mas que agora é, muitas vezes, a máscara de emburrecimento que está destruindo nossa cultura literária. (2003:12, 1º. volume).
O crítico afirma, ainda, que os livros que leu quando tinha entre cinco e 15 anos de idade continuam sendo lidos aos 70 anos. São aqueles livros que não envelhecem, é “novidade que permanece novidade”.
Nessa introdução, Bloom explica o porquê do surgimento da antologia. Quando começou a trabalhar em Por que ler, pensou em escrever um livro para leitores jovens e foi buscar, nas suas leituras infantis e juvenis, aqueles textos que encantaram o “menino solitário”.
A introdução do livro é um verdadeiro passeio pelas leituras e pela vida de Harold Bloom. Se os textos citados pelo renomado crítico nem sempre estão disponíveis para os leitores brasileiros, a leitura dos textos coletados constitui “pequenas pérolas” literárias que merecem ser lidas e relidas.
Agora, vamos deixar o livro de Bloom, passear pela literatura brasileira e relembrar escritores e poetas que estão à espera de leitores.
Podemos começar pelos livros do maior clássico da literatura brasileira – Machado de Assis. Que tal a leitura do Soneto de Natal? Dom Casmurro merece uma releitura. Sempre descobrimos algo de novo nos textos machadianos. Machado é um manancial inesgotável, que o diga Moacyr Scliar que já fez recriações de vários textos machadianos.
E São Bernardo, de Graciliano Ramos? Quanta beleza encontramos no capítulo 17 deste livro! Como estamos em tempo de floração dos paus d´arco nas ruas de João Pessoa, é válido transcrever este belo texto do escritor alagoano:
Estávamos em fins de janeiro. Os paus-d´arco floridos salpicavam a mata de pontos amarelos; de manhã a serra cachimbava; o riacho, depois das últimas trovoadas, cantava grosso, bancando rio, e a cascata em que se despenha, antes de entrar no açude, enfeitava-se de espuma.
José Américo de Almeida escreveu um bonito livro sobre a cidade de João Pessoa. Cidade de João Pessoa- roteiro de ontem e de hoje que recebeu uma reedição com o patrocínio da Prefeitura da cidade de João Pessoa e ilustrações em aquarela de Sóter Carreiro.
Vejamos um pequeno excerto do texto O que se mostra, inserido no livro citado:
A lagoa do Parque Sólon de Lucena, velho sítio dos jesuítas, circulada da Palmeiras Imperiais, é o ponto de mais atração da cidade.
O pau d´arco que arboriza este parque cobre-se de ouro na sua estação e o bambual esconde um restaurante. Junto está o busto de Augusto dos Anjos, o extraordinário poeta do “Eu”.
A paisagem pode ter sofrido algumas modificações, mas os paus d´arco e o busto de Augusto dos Anjos continuam resistindo ao tempo enfeitando a Lagoa.
Nesse itinerário literário, Augusto dos Anjos não pode ser esquecido. O livro com todos os sonetos do poeta é um presente bem-vindo. Há poemas de Augusto dos Anjos que primam pela beleza poética e lembramos: Vandalismo, A árvore da serra e Ricordanza della mia gioventú.
Para não despertar ciúmes, citei apenas os escritores mortos, mas entre os autores vivos há muita coisa boa nas livrarias. Aproveite as festas natalinas e compre livros

sábado, 5 de dezembro de 2009

FLICTS – um clássico da literatura infantil brasileira




LIVROS&LEITURAS
FLICTS – um clássico da literatura infantil brasileira
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Clássico não é livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda.
(Ana Maria Machado. Como e por que ler os Clássicos Universais desde cedo)

O que é um texto clássico? Muitos críticos tentaram responder a esta inquietante pergunta. Ítalo Calvino, no livro Por que ler os clássicos, faz observações bem pertinentes a respeito do conceito de livros clássicos.
Os clássicos pedem sempre uma releitura, são livros que permanecem no tempo. É o tipo do livro que nunca termina de dizer o que tinha para dizer. Clássico não quer dizer livro antigo, é livro que não envelhece, oferece sempre novidades. Sua leitura ocasiona novas descobertas.
Se partirmos dessas premissas de Calvino, concluiremos que Flicts é um clássico no universo da literatura infantil brasileira. É um livro que não envelheceu, cada leitura propicia sempre novas descobertas.
Este ano Flicts completou 40 anos. A editora Melhoramentos preparou uma edição especial, contendo, além da reedição da história, informações sobre o livro.
Vamos percorrer essa edição comemorativa com o olhar voltado para a pesquisa informativa – Uma história (de uma cor) e tanto! Concepção, Pesquisa, Organização e Design de Luís Saguar e Rose Araujo.
O Início da História.
Em 1969, Ziraldo apresentou ao editor Fernando de Castro Ferro o projeto de uma publicação - uma coletânea com cartuns e as histórias de seu personagem Jeremias. O editor gostou da ideia, mas disse ao artista que publicaria se ele produzisse primeiro um livro para crianças. O prazo para apresentação do livro foi curto, e Ziraldo sabia que não havia tempo para fazer muitas ilustrações, daí surgiu a opção pela utilização das cores como personagens da história.
Flicts nasceu como livro pioneiro. Abordava um tema atual – a chegada do homem à lua, mas esta revelação só é descoberta na última página. Ziraldo criou, também, uma história que trata do “preconceito e da exclusão”.
O lançamento do livro no Rio de Janeiro e São Paulo foi consagrador. Vários críticos, poetas, escritores, jornalistas, escreveram textos em mais de 20 jornais e revistas no eixo Rio-São Paulo, ressaltando a importância de Flicts.
Carlos Drummond de Andrade, que não conhecia pessoalmente Ziraldo, escreveu, no jornal Correio da Manhã, um texto com este título: Flicts: o coração da cor. Seguiram-se, posteriormente, comentários de Rachel de Queiroz, Dom Marcos Barbosa, Millôr Fernandes, Walmir Ayala, Tarso de Castro e muitos outros.
A Órbita Editorial.
A 1ª edição do livro foi de 10 mil exemplares. Em apenas seis meses ganhou uma primeira reimpressão. Em 1984, dezesseis anos depois, Flicts foi publicado pela Editora Melhoramentos. Nesta editora, ultrapassou a marca de 64 edições, com mais de 300 mil exemplares vendidos.
A trajetória internacional do livro começou cedo e já foi traduzido para diversos idiomas.
Nas comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, em 2008, a princesa Aiko recebeu uma edição especial de Flicts em japonês. Em janeiro de 2009, o livro foi lançado, no Japão, pela Editora Ofusha, uma edição belíssima em papel casca de ovo com tradução de Noriko Matsumoto.
O Universo de Flicts.
O universo de Flicts é muito diversificado. Foi transformado em filme de curta-metragem, peça de teatro, tema de escola de samba (Juiz de Fora, MG), música, com interpretação do Quarteto em Cy, ballet, documentário de televisão e cartão telefônico.
A professora Vânia Maria Resende (FNLIJ-MG) apresentou sua tese de doutorado na USP sobre Flicts com o título: Revelações Poéticas sob o Signo de Flicts e Reflexos Prismáticos em Obras de Autores de Língua Portuguesa.
Há duas curiosidades interessantes sobre o livro.
Quando Neil Armstrong, o primeiro homem que pisou na lua, esteve no Rio de Janeiro e Ziraldo contou-lhe a história de Flicts ele confirmou que a Lua realmente tinha a cor de FLICTS.
Dom Hélder Câmara recitava Flicts de cor. Para Ziraldo essa era uma prova de que a obra realmente existia.
2009 é o ano da França no Brasil. Nada melhor do que ler a versão dos três primeiros versos do livro na língua de Victor Hugo:
Il y avait une fois une couleur
très rare et très triste
qui s´appellait Flicts.

Para encerrar nossa conversa, convidamos o personagem Jeremias. Ele tem um recadinho para os leitores:
“Neste Natal, dê Flicts de presente!”

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

resídio do Hipódromo: cartas de um escritor para o filho-joel rufino




Presídio do Hipódromo: cartas de um escritor para o filho
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

De amor são estas cartas escritas pelo Joel, quando estava no cárcere, precisamente pelo pecado de amar o Brasil e a verdade de sua história.
(Thiago de Mello. Orelha do livro Quando eu voltei, tive uma surpresa).

O gênero epistolar encontrou um forte concorrente na era da internet – o e-mail, mas as cartas continuam circulando, atravessando fronteiras, mares, e aguardadas com ansiedade pelo receptor. Muitas chegam com letra caprichada, como as cartas e os cartões que o poeta Carlos Drummond de Andrade costumava mandar para os amigos ou para agradecer um texto crítico sobre um dos seus poemas; outras revelam uma caligrafia de difícil compreensão.
Fernando Pessoa, através do heterônimo Álvaro de Campos, escreveu que “Todas as cartas de amor são ridículas”. Se pensarmos nas cartas que escreveu para “Ophelinha”, chegaremos à conclusão de que o poeta estava certo – suas cartas de amor eram ridículas.
E as cartas de amor de Abelardo para Heloísa? Essas não eram ridículas, revelavam sofrimento e a tragicidade de um amor proibido.
Lembramo-nos das cartas escritas na prisão por Graciliano Ramos. Ele escreveu inúmeros bilhetes para sua mulher, Heloísa Ramos, durante a prisão no Rio de Janeiro. Nesses breves comunicados, o escritor revelava seu dia a dia, suas leituras, seus estudos, o aprendizado da língua russa e as novas amizades que iam surgindo.
No próximo ano, o livro Quando eu voltei, tive uma surpresa (Ed. Rocco), de Joel Rufino dos Santos, completa dez anos de sua primeira edição. São cartas que o escritor escreveu para seu filho Nelsinho, no período em que esteve no Presídio Hipódromo, em São Paulo (dezembro de 1972 até maio de 1974).
Joel Rufino dos Santos foi preso pelos mesmos motivos de Graciliano Ramos – os dois escritores escreveram livros que não agradaram ao governo.
Teresa Garbayo dos Santos, mulher de Joel, guardou as cartas que o pai escreveu para o filho. Depois de alguns anos, quando os ânimos serenaram, o escritor resolveu publicá-las.
Onde estão as cartas enviadas do filho para o pai? Ficaram guardadas ou perdidas nos porões da ditadura. Desapareceram? Não sabemos. Que pena!
Vamos examinar alguns detalhes dessas preciosas cartas.
O livro apresenta cartas manuscritas nas páginas pares. Nas páginas ímpares, vem a reprodução dessas mesmas cartas em letra impressa.
As cartas foram escritas, inicialmente, com caneta esferográfica da cor azul. O presente de uma caixa de lápis hidrocor vai dar colorido, posteriormente, às cartas que são acrescidas de fotografias, desenhos, colagens, brincadeiras, lições de História. (Joel era professor de História na época em que foi preso).
Nas primeiras cartas, o escritor explica ao filho que tinha sido “convidado” pelo governo brasileiro para dar explicações sobre algumas coisas que ele tinha escrito e que o governo não gostava. Esse era o motivo de sua ausência. E vem outra explicação ”maquiada” a respeito do local em que estava “hospedado”:
Tem quarenta pessoas que também não concordam com o governo. Tem 1 médico, 3 engenheiros, 8 professores, 10 estudantes, 3 marinheiros, 10 operários (de trem e de fábrica) e 5 camponeses. (...) Do outro lado ficam as mulheres. E algumas são professoras, outras são estudantes, uma é enfermeira, uma é arquiteta, uma é artista de televisão. (p.11)
Durante seis meses, o escritor procurou esconder do filho que estava preso, preferia dizer que estava viajando, pois alimentava a esperança da liberdade a qualquer hora, mas o tempo foi passando e o pai não regressava dessa longa viagem. Um dia a mãe resolveu contar toda a verdade.
Há uma passagem no livro que merece ser resgatada. Quando Nelsinho, um garoto de oito anos, soube do motivo da ausência do pai sua reação foi se refugiar debaixo da cama abraçado à gaiola com seu passarinho. Essa foi a maneira que o menino encontrou para externar sua dor.
As crianças que hoje estão com 8 ou 10 anos desconhecem esse período de repressão política. O livro de Joel Rufino dos Santos continua sendo vendido nas livrarias. É o registro real de um tempo em que os tiranos perseguiam os escritores que teimavam em contrariá-los. São fatos da história que não podem ficar apenas nos livros, merecem divulgação.
(Jornal CONTRAPONTO. Caderno B2, 27 de novembro a 02 de dezembro de 2009).

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Memórias de um menino poeta -vinicus menino




LIVROS & LEITURAS
Memórias de um menino poeta
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

O primeiro verso que um poeta faz é sempre o mais belo porque toda a poesia do mundo está em ser aquele o seu primeiro verso...
(Mário Quintana. O menino e o poeta).

Doze textos em verso e prosa estão reunidos em Vinicius menino (Cia.das Letras, 2009), idealização e seleção de Eucanaã Ferraz e ilustrações de Marcelo Cipis. Os textos e os poemas foram recolhidos de livros de Vinicius de Moraes que falam, principalmente, da infância do poeta. Alguns são inéditos.
A descrição da casa dos avós paternos traz doces recordações ao menino de ontem. A casa ficava situada na Rua General Severiano, no bairro do Botafogo. A imagem do avô, colocado à cabeceira da mesa grande, com o guardanapo atacado ao pescoço, preparado para comer abacate, está gravada nas suas retinas.
E as leituras do avô? Coincidiam com as do menino – folhetins de Michel Zévaco. Quantos títulos? Não é possível relembrar todos – Os Pardaillan, Buridan, Os amantes de Veneza, A torre de Nesle...
A avó era uma pessoa que irradiava doçura. O cabelo já estava todo branquinho, andava pela casa bem devagar. Ajoelhava-se ao pé do oratório e ficava muito tempo rezando, com os olhos fitos no Menino Deus.
A casa paterna é descrita com muita afetividade. O poeta adulto observa que as salas conservaram “um dorido repouso em suas poltronas”.
O piano fechado transporta-o para a infância quando as mãos maternas tocavam valsas. E vem a recordação das músicas tocadas ao piano por sua mãe. “La cumparsita” e “Caminito” eram as preferidas. De repente, não mais que de repente, chega o fox-trot e o pai traz novas partituras que serão tocadas pela pianista. São tantas lembranças!
Havia grande diferença de idade entre o pai e a mãe. Ele era professor de francês, ela, sua aluna. E o professor se apaixonou pela aluna bonita e inteligente. Casaram-se. O pai continuou um eterno enamorado – escrevia sonetos, odes, rimancetes, baladas, dedicados à mulher amada.
Na antiga casa paterna, como no poema de Manuel Bandeira, tudo estava “impregnado de eternidade”. Na estante, um Tesouro da Juventude, com o dorso puído de fato e de tempo. Foi ali, naquele livro, que o menino descobriu a beleza do verso.
O violão do pai, junto à vitrola, parecia dormir. Nunca mais saíra som de suas cordas. Estava solidário com a ausência e o silêncio de seu antigo dono.
Gaston Bachelard, no livro Poética do Espaço, afirma que a casa é um “corpo de imagens”; através dessas imagens revela-se a alma da casa. As descrições dos cômodos e objetos da casa paterna nos mostram os valores da intimidade. A casa se torna o recanto das lembranças armazenadas. Com estes textos rememorativos, Vinicius demonstra apreço e afeto pela casa dos seus antepassados.
Mas o livro Vinicius menino traz alguns poemas que falam sobre pequenos animais domésticos – formiga, mosquito. O abacate, fruta preferida do avô e apreciada pelo poeta, mereceu um poeminha. Em depoimento a respeito da boa aceitação deste poema entre as crianças, Vinicius revelou: faz grande sucesso entre crianças de mentalidade coprófila e adultos de mentalidade de criança. Entre aqueles que têm mentalidade de criança, ele cita o amigo e compadre Chico Buarque. Vamos ao texto:
ABACATE

A gente pega o abacate
Bate bem no batedor
Depois do bate-que-bate
Que é que parece? – Cocô.
Ô abacate biruta:
Tem mais caroço que fruta!

Neste poema, sente-se a presença do menino “pulante, grimpante, nadante” que, como o menino maluquinho, de Ziraldo, tinha asas nos pés e seus cadernos deviam ser assim: um dever e um desenho/uma lição e um versinho.
O livro Vinicius menino é um resgate de um menino feliz que viveu cercado pelo carinho de seus pais, avós, que conta histórias dos seus antepassados com um gostinho de quero mais.
( Publicado no jornal Contraponto, Caderno B2, 20 a 26 de novembro de 2009).

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MÚSICA PARA PEQUENOS E GRANDES















MÚSICA PARA PEQUENOS E GRANDES
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Música é vida interior e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.
(Artur da Távola. Pensamento que fechava o programa – Quem tem medo de música clássica? – TV Senado).

Balé e Teatro foram assuntos abordados em artigos anteriores Hoje vamos falar sobre música, um tema sempre apaixonante.
No vasto universo da literatura para crianças e jovens, encontramos vários livros que procuram introduzir a criança no reino da música. No alvorecer do século XXI (2001), Leo Cunha e Francisco Marques, em parceria com Eliardo França (ilustrador), publicaram “Clave de Lua” e “Garranchos”, (Ed. Paulinas), poemas musicados. Os livros vêm acompanhados de CDs, de belas ilustrações de Eliardo França e da música de Renato Lemos. Ganharam vários prêmios no ano da publicação e continuam, ainda hoje, sendo bem vendidos.
Mais recentemente, houve a preocupação de introduzir um pouco de teoria musical nos livros destinados a esse público. A orquestra tintim por tintim Ed. Moderna (2005), do quarteto Liane Hentschke, Susana Ester Kruger, Luciana Del Bem e Elisa da Silva e Cunha, também acompanhado de CD, oferece uma ótima oportunidade para crianças e adultos conhecerem os instrumentos de uma orquestra e a função que cada um deles exerce.
Doutoras e doutorandas em Educação Musical, Liane, Susana, Luciana e Elisa exercem funções nos departamentos de música da UFRGS, no Centro Universitário FEEVALE (RS) e na OSESP.
Além de discorrer sobre os instrumentos da orquestra, aparece uma explicação bem interessante sobre o spalla: É ele quem pede ao músico do oboé que toque a nota Lá para que os demais instrumentos sejam afinados de acordo com ela. (p.8).
O spalla tem um papel importante na orquestra. Ele é o primeiro violino, repassa as instruções do maestro aos músicos e, às vezes, quando solicitado, pode assumir a função de regente.
Será que o leitor sabe por que a flauta, feita de metal, pertence à família das madeiras? E o tam-tam, o que será? Essas perguntas são respondidas nesse interessante livro.
Vamos percorrer outros caminhos.
Raquel Coelho, autora e ilustradora do livro Música (Ed. Formato, 2006), é formada em Artes, com múltiplas atividades. Enveredou pela música, teatro, literatura, dança e artes plásticas. É uma mineira andarilha. Queria conhecer o mundo e acabou se mudando para Nova York, uma cidade que se caracteriza pela diversidade artística, onde estudou animação. Hoje Raquel vive em San Francisco, na Califórnia, é professora do Departamento de Cinema da San Francisco State University.
O livro de Raquel se inicia com um histórico sobre a origem da música, os primeiros instrumentos musicais e a relação que existe entre a Matemática e a Música. Quem descobriu essa relação foi Pitágoras. E vem uma afirmativa que merece registro:
Pitágoras estudou um instrumento de uma corda só, o monocórdio, e tentou descobrir qual nota estava na metade da corda, qual nota estava em um quarto da corda e assim por diante. Desse modo, acabou descobrindo que a posição das notas em uma corda segue uma proporção matemática. (p.14)
O livro oferece uma visão panorâmica da música de muitos países em épocas distintas. Interessante são as ilustrações – colagens, desenhos superpostos, cores fortes e vibrantes. Desenhos e pinturas que imitam mamulengos dão um colorido especial ao livro.
Para colocar ponto final nesse percurso – O menino e o maestro, de Ana Maria Machado (Ed. Mercuryo Jovem, 2006), livro marcado por sensibilidade e beleza literária.
A história do menino Teleco, do maestro Paulo Moura e de Mozart se entrecruzam. Se não chegamos à polifonia baktiniana, existe, dentro dessa narrativa, um discurso dialógico.
O maestro Paulo Moura faz um bonito trabalho com crianças carentes no Rio de Janeiro e Ana Maria Machado conta a história de Teleco, acrescida de fatos da vida do menino Mozart.
Ricardo Prado, maestro e escritor, em nota inserida no livro, afirma que nos textos de Ana Maria Machado há sempre piano, canções, cantigas de ninar, caixinhas de música. A musicalidade está presente até nos títulos. Examinemos alguns: “Menina bonita do laço de fita”, “Bisa Bia, Bisa Bel”, “Bento-que-bento-é-o-frade”, “Palavras, Palavrinhas, Palavrões”.
Ana Maria já escreveu mais de 100 livros para crianças e jovens, embora se dedique, também, à crítica literária e à literatura para adultos. Não poderíamos deixar de assinalar que a boa qualidade dos seus textos para crianças lhe garantiu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
Na nossa viagem através da música, percorremos trilhas de poesia musicada, discorremos sobre aspectos teóricos da orquestra e da música e conhecemos um pouco da história do encontro de Teleco com o maestro Paulo Moura. Andamos por caminhos que levam o leitor – criança, jovem ou adulto ao mundo em que a palavra não alcança.

sábado, 7 de novembro de 2009

Maria Clara Machado e o Teatro Infantil Brasileiro









LIVROS & LEITURAS
Maria Clara Machado e o Teatro Infantil Brasileiro
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

O teatro para crianças deve ser igual ao dos adultos, só que melhor.
(Stanislavsky. Teatrólogo russo)

A Editora Nova Fronteira reeditou, em 2009, seis livros contendo peças teatrais de Maria Clara Machado. Há muito tempo esses livros pediam para ser reeditados. A iniciativa é louvável.
Cada livro traz uma apresentação de atores/atrizes que trabalharam nas peças: Maria Louise Cardoso, Malu Mader, Marcelo Serrado, Fernando Caruso, Cláudia Abreu. A crítica de teatro Bárbara Heliodora assina uma das apresentações.
Maria Clara Machado nasceu em Minas Gerais. Era filha do escritor Aníbal Machado. Foi morar no Rio de Janeiro ainda criança e cresceu em um ambiente literário e artístico. Iniciou sua carreira teatral dirigindo um teatro de bonecos. Em 1950, ganhou uma bolsa de estudos do governo francês e foi estudar teatro em Paris. Quando voltou (1951), fundou a companhia Tablado e foi sua diretora até 2001, ano de seu falecimento.
Quem gosta de teatro, certamente se lembra de “Pluft, o fantasminha” e de “O cavalinho azul”. São peças que marcaram a infância de meninos e meninas por esse Brasil afora.
Um passeio por algumas peças da teatróloga nos permite aquilatar a boa qualidade de seu trabalho com a o teatro infantil.
“A menina e o vento” estreou em 1962 e foi encenada e traduzida para outros países. A protagonista da história é a menina Maria que consegue se livrar de três tias chatas que dão lições desinteressantes, mas se envolve, de modo bem fantástico, com o Vento.
“Pluft, o fantasminha” foi a peça consagradora do teatro infantil de Maria Clara Machado. Nesta peça, aparece um fantasminha muito divertido e medroso. Invertendo a ordem natural das coisas, o fantasma é quem tem medo de gente, principalmente da menina Maribel.
Em “A bruxinha que era boa”, temos, mais uma vez, uma inversão de valores – a bruxinha Ângela era diferente das outras bruxas: tinha um rosto angelical, bom coração e não sabia fazer maldades.
“O cavalinho azul”, que já foi transformado em opereta, talvez seja a história mais cheia de ternura que Maria Clara Machado escreveu. Pela poeticidade do texto e equivalência temática pode ser comparada ao livro “Platero y yo”, de Juan Ramón Jimenez.
A história é simples e comovente. O menino Vicente se julga dono de um cavalinho. O verdadeiro dono (seu pai), por motivo de dificuldades financeiras, resolve vender o cavalinho, e Vicente começa a procurá-lo. Nessa busca incessante, ele encontra uma menina que vai acompanhá-lo por várias cidades brasileiras. É uma verdadeira peregrinação à procura do amigo querido. Será que vai encontrá-lo?
Fantasia, sonho, ternura, poesia, tudo está presente nas bonitas peças criadas por Maria Clara Machado. É isso que dá perenidade a seus textos. A teatróloga fez, também, adaptações de histórias tradicionais, como “Maria Borralheira”, “O patinho feio”, mas procurou sempre imprimir um toque brasileiro nessas recriações.
Em tempos idos e vividos, assistimos, no Teatro Paulo Pontes, “”Pluft, o fantasminha” e “ A menina e o vento”.
Maurício Burity, o novo diretor do Espaço Cultural, tem procurado revitalizar vários setores que estavam desativados. Esperamos que voltem a ser encenadas as peças de Maria Clara Machado e outras peças infantis de bom nível.
Em Campina Grande, o Instituto Nossa Senhora da Salete, sob a coordenação das irmãs professoras Eneida, Salete e Léa Agra, costumava apresentar, nas festas de encerramento do ano letivo, peças de Maria Clara Machado. Os alunos do Instituto eram os atores e a direção das peças ficava a cargo de Wilson Maux. Recebemos informação da atriz que fez o papel de “Pluft, o fantasminha” e de “Maria Minhoca” (atualmente ela mora em João Pessoa) que o elenco, nos idos dos anos 60/70 do século XX, viajou para o Recife e Maceió onde se apresentou com grande sucesso. Era o teatro infantil paraibano itinerante.
O Instituto Nossa Senhora da Salete não mais existe. Felizes as professoras e os ex-alunos que vivenciaram essa experiência. Ficou o registro na história do teatro infantil de Campina Grande.
As palavras do teatrólogo russo – “o teatro para crianças deve ser melhor do que o teatro para adultos” – condizem muito bem com as peças criadas e adaptadas por Maria Clara Machado. São peças que nada ficam a dever ao bom teatro para adultos.
(Publicado no Jornal Contraponto. Caderno B2. Paraíba, 06 a 12 de novembro de 2009).

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O Pequeno Príncipe – um livro que permanece novidade






O Pequeno Príncipe – um livro que permanece novidade
( Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Literatura é novidade que PERMANECE novidade.
( Ezra Pound. ABC da Literatura)

O crítico literário Ezra Pound, em ABC da literatura, apresenta dois conceitos de literatura – Literatura é linguagem carregada de significado e Literatura é novidade que PERMANECE novidade. Esses conceitos poundianos se aplicam muito bem ao livro O Pequeno Príncipe.
Amélia Lacombe, em nota introdutória à edição da Agir (2004), explica o porquê da permanência desse livro:
Livro de criança? Com certeza.
Livro de adulto também, pois todo homem traz dentro de si o menino que foi.
(...)
Como compreender que uma história aparentemente tão ingênua seja comovente para tantas pessoas?
O Pequeno Príncipe devolve a cada um o mistério da infância. De repente retornam os sonhos. Reaparece a lembrança de questionamentos, desvelam-se incoerências acomodadas, quase já imperceptíveis na pressa do dia-a-dia. Voltam ao coração escondidas recordações. O reencontro, o homem-menino. (2004:p. 6).
A história do pequeno príncipe é bem conhecida dos leitores, vejamos alguns dados que estão por trás da narrativa.
A origem do livro.
Em dezembro de 1935, quando tentava fazer o percurso Paris-Saigon.o avião pilotado por Exupéry sofreu uma pane e ele se viu obrigado a aterrissar a 200km de Cairo, em pleno deserto. Durante cinco dias, o piloto percorreu o deserto até que encontrou uma caravana de nômades que o socorreu. Foi dessa própria experiência vivida no deserto que nasceu O Pequeno Príncipe.
Escrito e ilustrado por Exupéry, a história apresenta um narrador que conta como ficou ao relento durante uma pane que seu avião sofreu no deserto de Saara. Na primeira noite, o piloto dormiu nas areias do deserto e foi aí que apareceu o pequeno príncipe. É nesta parte que entra o reino da fantasia e a história assume ares de fábula. A raposa e a rosa, personagens que convivem com o principezinho, são seres falantes.
Criação da personagem.
Há duas versões que explicam como se originou essa personagem que tem despertado a atenção de crianças e adultos.
O ano de 1935 foi marcante para Exupéry. Enviado para Moscou com o objetivo de fazer uma reportagem, ele descobre, na viagem de trem para Polônia, em um dos vagões, um pobre casal com uma criança. A beleza do menino levou-o a pensar na figura do músico Mozart e de um pequeno príncipe. Dessa visão, surgiu a idéia de criar o personagem.
Durante o verão de 1941, Exupéry esteve internado em um hospital de Hollywood e recebia sempre a visita da atriz francesa Annabella Power, casada com Tyrone Power. Nessas visitas, a atriz lia para o escritor/aviador a história de A Pequena Sereia, de Andersen, e esta bonita história teria influenciado a criação do pequeno príncipe. Aliado a isso, Exupéry confessou, certa vez, que gostaria de ter escrito uma história à moda dos contos de fadas. Esta seria a segunda versão para a criação dessa personagem que traz de “volta ao coração escondidas recordações.”
Antoine Jean Baptiste Marie Roger de Saint-Exupéry, nome completo de Saint-Exupéry, ou simplesmente Exupéry, publicou O Pequeno Príncipe em 1943. O livro saiu, inicialmente, nos Estados Unidos, mas hoje já ultrapassou a casa de 100 milhões vendidos. É o livro francês mais vendido no mundo.

Nota: Este ano se comemora o ano da França no Brasil. Entre as muitas comemorações realizadas pelo governo brasileiro, em parceria com entidades privadas, se destaca a exposição “O Pequeno Príncipe na Oca”. A exposição teve início no dia 22 de outubro e vai até o dia 20 de dezembro, no Teatro Oca, no Parque Ibirapuera, Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, 3º portão. Quem for a São Paulo nesse período vale a pena fazer uma visita ao mundo encantado de Saint-Exupéry. Lá o visitante vai encontrar uma réplica do avião pilotado por Exupéry, participar de uma mágica que se esconde por trás de uma cortina, percorrer lugares visitados pelo escritor através de mapas e croquis e assistir a uma pequena peça que reconta esta bonita história.
( Publicado no jornal Contraponto. João Pessoa, B2, 30 de outubro a 4 de novembro de 2009).

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O CRÍTICO LITERÁRIO E O FENOMENÓLOGO


O CRÍTICO LITERÁRIO E O FENOMENÓLOGO
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Da criança podes aprender três coisas: fica contente sem nenhum motivo especial; não se mantém ociosa nem por um instante; e quando precisa de algo, exige vigorosamente.
( Talmud, citado por Ilan Brenman)

Gaston Bachelard, no livro A Poética do Espaço, distingue dois tipos de leitores: o crítico literário e o fenomenólogo. O crítico literário se detém em analisar a obra literária de uma maneira objetiva. Muitas vezes não tem a sensibilidade para detectar a imprevisibilidade das palavras; o fenomenólogo sente a palavra, a palavra do poeta fala com o leitor. Existe um diálogo entre o texto e aquele que lê.
É com o olhar mais de fenomenólogo do que de crítico que nos debruçamos sobre o livro Lendas judaicas, de Ilan Brenman (Ed. Salesiana: 2009), com ilustrações de Renato Moriconi.
Nelly Novaes Coelho, no livro O Conto de Fadas (1987: p.85) conceitua lenda como uma narrativa anônima de matéria supostamente histórica ou verdadeira, guardada pela tradição (oral ou escrita). Nela, o real e o imaginário mesclam-se de tal maneira que é impossível discernir onde acaba o verdadeiro e começa a fantasia. Todos os folclores estão repletos de lendas, que tentam “explicar” de maneira mágica os mistérios da vida e do Universo.
Na apresentação do livro, o autor declara que os contos judaicos têm uma vastidão de temas e “a riqueza dessas narrativas está umbilicalmente associada a mais de vinte séculos de dispersão pelo mundo.”
Contos ou lendas, não importa o rótulo, os textos do livro de Brenman procuram explicar os mistérios da vida e do Universo. Oito contos (lendas) estão presentes neste livro que traz a sabedoria judaica.
Ilan Brenman nasceu em uma pequena cidade de Israel – Kfar Saba. É filho de argentinos, neto de russos e poloneses. Acrescido a tudo isso, desde 1979, mora no Brasil. São trinta anos de vivência brasileira e dezoito anos contando histórias pelo Brasil e mundo afora. Brenman é formado em Psicologia, Mestre e Doutor pela Faculdade de Educação da USP.
Moriconi, o ilustrador, afirma que “procura dar forma, textura e cheiro às palavras”. Para ilustrar este livro, em sua mente vieram as pinturas de Marc Chagall, de Lasar Segall e a voz de Teyve, cantando a tradição no filme “O violinista no telhado”. Essas foram as maiores referências para a criação das imagens do livro.
Após essas explicações a respeito dos elementos paratextuais do livro, dirigimo-nos aos contos. Julgamos pertinente dar uma breve explicação: os elementos paratextuais compreendem as ilustrações, epígrafes, aspectos biográficos, tudo que vem dar colorido e informação sobre o texto.
Os oito contos que integram o livro são narrativas que se prendem à tradição milenar dos judeus. Dois contos trazem títulos que precisam ser traduzidos: O Tzadik e O Talmud.
Tzadik significa justo e este conto fala sobre o homem mais justo e sábio da região de Kiev, o rabino Dov.
Um homem rico e desonesto acusou um pobre mendigo de haver furtado 100 rublos de sua carteira. O rabino Dov é chamado para resolver a questão. O rico comerciante afirmava que havia perdido uma carteira com 400 rublos e que o mendigo havia furtado 100, restando apenas 300.
O mendigo dizia que não havia roubado nada, apenas encontrara uma carteira com 300 rublos.
Conclusão do rabino: a carteira encontrada pelo mendigo não era realmente a carteira perdida pelo comerciante, e ponderou: “Quando alguém encontrar uma carteira com 400 rublos, por favor, devolvam para o verdadeiro dono”.
O melhor deste conto é a sugestão do mendigo: “Tenho uma idéia melhor. Vamos pegar esse dinheiro e fazer um farto banquete para os pobres de Kiev.”
Questão resolvida.
Talmud representa uma grande coleção de livros, produzidos em várias épocas, contendo sabedoria de centenas de rabinos. A primeira parte do Talmud é conhecida como Halachá. É o corpo jurídico da religião judaica; a segunda, Agadá, seria o olhar poético sobre a Escritura. É nesta segunda parte que se encontram as lendas, os contos e as reflexões permeadas com uma voz universal.
Os antigos sábios faziam uma distinção entre Halachá e Agadá. “Halachá seria o pão nosso de cada dia e Agadá seria o vinho que alegra e aquece o nosso coração”. (p. 28)
Um homem bem simples colocou na cabeça que queria compreender o Talmud e procurou o rabino, pedindo-lhe que ensinasse o que havia dentro do Talmud.
O rabino explicou que era muito difícil para um homem simples como ele entender o Talmud, mas, diante da forte insistência, propôs uma questão sobre dois ladrões.
Naturalmente o homem não resolveu a questão, mas ficou satisfeito e continuou o seu caminho.
Os outros seis contos trazem títulos bem expressivos: Inteligência, cavalos e prosperidade, Aprendendo com o aprendiz, Os três conselhos do pássaro, O bem mais precioso do mundo, Os alunos e o astrólogo, O rei Davi, O príncipe Salomão e o ovo cozido.
Aprendendo com o aprendiz conta a história de um mestre e seu discípulo. O mestre pede ao aluno que vá ao açougue e lhe traga o melhor pedaço de carne. O aluno vai e traz a língua. O mestre reclama, dizendo-lhe que pediu a melhor parte que, necessariamente, não é a língua, resolve, então, pedir-lhe a pior carne do açougue. Vai o aprendiz e traz um novo embrulho que contém, também, a língua.
O aprendiz dá a seguinte explicação ao mestre:
“- No mundo dos homens, o que há de melhor e de pior é a língua!
- Quando nossa língua destila veneno, mentira e raiva, não existe no mundo coisa mais terrível. Com certeza é a pior parte do nosso corpo. Mas, quando nossa língua recita poesia, fala de amor e fraternidade, não há parte mais nobre do nosso corpo do que ela.
O aprendiz ensinou ao mestre a virtude da humildade. Tinha razão Guimarães Rosa quando dizia: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. O aprendiz foi um mestre perfeito.
Não vou falar sobre os outros contos, restam ainda cinco.
Para concluir, repito versos utilizados pelos contadores de histórias:
“Entrou por uma perna de pinto,
Saiu por uma perna de pato
Senhor Rei mandou dizer
Que me contasse mais cinco.”

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

FERREIRA GULLAR E OS ROMANCES DE CORDEL


LIVROS & LEITURAS
FERREIRA GULLAR E OS ROMANCES DE CORDEL
(Neide Medeiros Santos - Crítica literária da FNLIJ/PB)

... metade de mim é o que grito,
mas a outra metade é o silêncio...
(Ferreira Gullar. Metade)

Entre os anos de 1962-1967, Ferreira Gullar publicou quatro poemas narrativos com a temática das desigualdades sociais, o domínio do capitalismo e as lutas políticas entre latifundiários e camponeses. O poeta escolheu a poesia de cordel para tratar desses temas.
Os anos se passaram. Os poemas escritos na década de 1960 foram reunidos, pela primeira vez, e publicados pela Editora José Olympio (2009), com belas ilustrações do xilógrafo paraibano Ciro Fernandes.
Gullar explica, em nota que aparece na contracapa do livro, que escreveu esses poemas no começo da década de 1960, durante a sua atuação no Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE) e que o objetivo maior, naquela época, era muito mais de fazer política do que fazer poesia.
Os poemas aparecem com o título Romances de cordel e incluem: João Boa-Morte, cabra marcado para morrer, Quem matou Aparecida? História de uma favelada que ateou fogo às vestes, Peleja de Zé Molesta com Tio Sam e História de um valente.
João Boa-Morte, cabra marcado para morrer deveria ser uma peça teatral sobre a reforma agrária, mas a intenção do poeta não foi concretizada e o poema terminou sendo publicado como folheto de feira. Além do personagem João Boa-Morte, há referências a Pedro Teixeira, líder camponês que teve “morte de encomenda”. Eduardo Coutinho transformou em filme a história de Pedro Teixeira com o título – “Cabra marcado para morrer”.
História de um valente conta a prisão e os sofrimentos do líder comunista Gregório Bezerra, preso e ultrajado pelos militares em período de repressão política. Gullar escreveu esse poema por solicitação do Partido Comunista, logo após o golpe de 1964, mas, por medida de precaução, assinou o texto com o pseudônimo de José Salgueiro. Muitas pessoas pensaram que o folheto havia sido escrito por um poeta de feira do Nordeste.
Os quatro romances de cordel de Gullar estão ligados à literatura engajada e todos terminam com fios de esperança. Examinemos os fechos dos poemas.
João Boa-Morte presta atenção ao conselho de Chico:
Enquanto Chico falava,
no rosto magro de João
uma luz nova chegava.
E já a aurora, do chão
de Sapé, se levantava. (p. 34)
A história de Aparecida, a favelada que ateou fogo às vestes, tem o seguinte desfecho:
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro
que ela nem fez nem quis
- que deve ser destruído
pro povo viver feliz. (p. 56)
A peleja entre Tio Sam e Zé Molesta termina com a vitória de Zé Molesta, um cantador franzino, lá do Ceará. Tio Sam perde o “rebolado” e Zé Molesta foge deixando o gringo “desmoralizado”.
Gregório Bezerra, líder comunista pernambucano, sofre humilhações e espancamentos na prisão, nas ruas do Recife, no bairro de Casa Forte. E vem o apelo final:
Gregório está na cadeia.
Não basta apenas louvá-lo.
O que a ditadura espera
é a hora de eliminá-lo.
Juntemos nossos esforços
para poder libertá-lo,
que o povo precisa dele
pra em sua luta ajudá-lo. (p.92)
Não poderia deixar de tecer um breve comentário sobre as ilustrações de Ciro Fernandes. São xilogravuras em preto e vermelho, cores que denunciam a morte, o sangue e a luta. Gullar escolheu o ilustrador certo. Ciro Fernandes é nordestino (paraibano), conhece a sua gente. João Boa-Morte, Aparecida, Zé Molesta e Gregório Bezerra são personagens/pessoas que integram o universo do ilustrador.
Se os poemas de Ferreira Gullar veiculam um fio de esperança, cantemos com Mercedes Sosa e Violeta Parra (in memoriam) “Gracias a la vida”.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

caminhos de santiago


CAMINHOS DE SANTIAGO
( Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB)
Se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
Faria uma verdadeira viagem...
(Mário Quintana. Invitation au Voyage)

O caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, tem dado origem a muitos diários e a inúmeras publicações. De S. Jean Pied de Port (caminho francês) a Santiago de Compostela (terras de Espanha) há um longo percurso a ser trilhado (cerca de 800 km). Escritores que fizeram essa viagem deixaram registros em diários e livros. Só, no Brasil, já foram publicados mais de cem livros com essa temática.
Não sabemos se o poeta García Lorca foi peregrino dessa rota, mas deixou um belo poema “Santiago:balada ingênua “ que conta, de modo sucinto e teatral, a história lendária do apóstolo Santiago.
“Santiago”, com ilustrações do artista plástico espanhol Javier Zabala, selo da Editora WMF Martins Fontes (2009), é um poema que integra “Livro de poemas”., um dos primeiros livros publicados por García Lorca ( 1921).
O subtítulo “balada ingênua” remete o leitor para um tipo de composição poética – balada. Na opinião de Massaud Moisés (Dicionário de Termos Literários: 1974), a balada esconde duas formas líricas convergentes e algo distintas.
A primeira tem origem folclórica, popular ou tradicional e não se prende a qualquer literatura européia. Está presente entre os povos anglo-saxões, eslavos, gregos, romenos, espanhóis e portugueses.
Na segunda concepção, com base nos postulados teóricos de Lawrence J. Zillmam, vem a explicação: “ Na verdade, trata-se de forma literária mista, pois reúne elementos de poesia dramática e lírica bem como narrativa. Mas em geral pode ser descrita como uma breve canção-história (...). ”
O processo dramático da balada vem acompanhado de perguntas e respostas, de um diálogo que é utilizado para desenvolver a fabulação.
Entre os poetas modernistas brasileiros, lembramos de duas baladas lidas, recitadas e bem conhecidas do público leitor de poesia: “Balada das três mulheres do sabonete Araxá”, de Manuel Bandeira, e “Balada das duas mocinhas de Botafogo, de Vinicius de Moraes. Esta última, pelo alto grau de dramaticidade, foi transformada em peça teatral.
Deixemos as divagações poéticas, e retornemos ao livro de Federico García Lorca – “Santiago”.
O poema “Santiago” não conta a história da peregrinação do apóstolo em sua totalidade, são fragmentos da passagem do santo por terras da Espanha. Para dar uma melhor visão da história, seguem-se alguns diálogos entre o narrador e a velhinha que testemunhou a passagem do apóstolo.
- Quem viu o apóstolo Santiago?
“ Uma velha que vive muito pobre
na parte mais alta do arraial
que possui uma roca imprestável,
(...) (p. 11)

- Quando a velhinha viu o apóstolo?
“(...) numa noite distante
como esta, sem ruídos nem ventos” (p.13)
(...)
- Como ia vestido?
“- Com bordão de esmeraldas e pérolas
e uma túnica de veludo.” (p.15)
(...)
“- E, comadre, não lhe disse nada?
- perguntam-lhe duas vozes ao mesmo tempo.”(p.16)

Responde a velhinha:
“- Ao passar me olhou sorridente
e uma estrela deixou-me aqui dentro. “ (p.16)

“- Continue, continue,velha comadre.

Aonde ia o glorioso viajor? ‘ (p.19)

“- Perdeu-se por aquelas montanhas
com minhas pombas brancas e o cachorro.
Mas cheia deixou-me a casa
de roseiras e de jasmineiros,
e as uvas verdes da parreira
amadureceram, e meu copo cheio
encontrei na manhã seguinte. “ (p. 21 )
(...)
O encontro do apóstolo com uma personagem do povo, uma velha fiandeira, vem revestido de fantasia e beleza, parece que estamos no país de São Saruê, descrito de modo utópico pelo poeta popular Manuel Camilo dos Santos.
Não contei tudo, deixei o resto para os leitores amantes de poesia e, principalmente, da poesia de García Lorca.
Ainda uma palavrinha – olhem com atenção o livro, vejam as bonitas ilustrações de Javier Zabala, ilustrador detentor de vários prêmios de ilustração na Espanha, leiam as informações sobre o poeta gitano que aparecem nas últimas páginas do livro. Boa leitura!

domingo, 20 de setembro de 2009

GRACILIANO RAMOS- E a historia se repete



E a história se repete
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com
A palavra não foi feita para brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer.
(Graciliano Ramos)

Entre os anos de 2003 a 2006, a Editora Record reeditou a obra completa de Graciliano Ramos. O projeto de reedição da obra do autor de Vidas Secas foi supervisionado por Wander Melo Miranda, professor titular de Teoria da Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais.
A reedição de Alexandre e outros heróis traz a data de 2006 e inclui, também, A Terra dos meninos pelados e Pequena história da República. A base desta nova edição foi a 1ª edição de Histórias de Alexandre. O exemplar da 1ª edição foi cedido pelo professor José Aderaldo Castello ao Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP. Os manuscritos de A Terra dos meninos pelados e Pequena história da República, que se encontram no Arquivo do Fundo Graciliano Ramos – IEB, serviram de suporte para a edição da Record. Estamos, portanto, diante de um livro bem documentado.
Graciliano escreveu romances e contos, crônicas, relatórios, literatura infantil e livros de memórias. É a literatura do meio do caminho que nos interessa – a literatura para crianças, de modo mais preciso – Pequena história da República.
Quando consultamos a fortuna crítica de Graciliano Ramos, encontramos inúmeros ensaios, teses, dissertações, artigos, sobre os romances, contos, livros de memórias, mas notamos um reduzido número de textos críticos sobre a Pequena história da República. Qual será o motivo ? Será um livro menor?
Se pensarmos em número de páginas, Pequena história da República é diminuto, talvez tenha o mesmo número de páginas do famoso Relatório do prefeito de Palmeira dos Índios, contudo, em termos de análise sócio-política, é um grande livro.
Alexandre e outros heróis (Record: 2006) traz um posfácio de Rui Mourão com o título Procura de Caminho, mas pouco fala sobre Pequena história da República. Recorremos, então, a uma edição antiga, também da Record (1979), e lá encontramos um ensaio primoroso de Osman Lins – O mundo recusado, o mundo aceito e o mundo enfrentado.
A leitura do texto de Osman Lins esclarece que Pequena história da República foi escrito para crianças em 1940 e se destinava a um concurso literário. O livro foi rejeitado, feria as normas da história oficial. Graciliano ironizou D. Pedro II, Presidentes da República, militares e políticos. Os relatos da Pequena história da República começam em 1889 e se estendem até 1930.
Pinçamos alguns fragmentos do livro para demonstrar a sutileza irônica que permeia o texto de Graciliano. E cabe aqui um rápido comentário: Como a história se repete!
Em 1889 o Brasil se diferençava muito do que é hoje (...). As pessoas não voavam, pelo menos no sentido exato deste verbo. Figuradamente, sujeitos sabidos, como em todas as épocas e em todos os lugares, voavam em cima dos bens dos outros, é claro; mas positivamente, a mil metros de altura, o voo era impossível, que Santos Dumont, um mineiro terrível, não tinha fabricado ainda o primeiro aeroplano, avô dos que por aí zumbem no ar. (2006: 139-140).
Nesse tempo, o chefe do governo era o Imperador D. Pedro II e existiam dois grandes partidos: o liberal e o conservador. A respeito dos dois partidos, vejamos o que diz Graciliano:
Um deles dirigia os negócios públicos. O outro, na oposição, dizia cobras e lagartos dos governantes, até que estes se comprometiam e S. M. os derrubava e substituía pelos descontentes, que eram depois substituídos. Os programas dessas facções divergiam, é claro, mas na prática elas se assemelhavam bastante. (p. 141).
Em 1910, o presidente eleito foi Hermes da Fonseca, que concorrera com Rui Barbosa. A respeito de Hermes da Fonseca, Graciliano assim se expressa:
Mexeram-lhe na vida íntima, expuseram em letra de forma horríveis minúcias em gíria de bordel. Nunca houve neste país torpezas semelhantes. (2006: 175).
Graciliano conclui este livro com relatos da Revolução de 30:
Coisa bastante surpreendente em 1930 foi a rápida mudança de valores sociais, o que determinou uma subversão quase completa na hierarquia. Vários cavalheiros importantes, autores e colaboradores da revolução, foram depressa relegados para a segunda classe, enquanto personagens obscuras, inteiramente desconhecidas, galgavam postos elevados. ( 2006:185)
Graciliano Ramos escreveu Pequena História da República em 1940. O livro foi censurado e só foi publicado em 1945. São passados 64 anos e a história permanece atual. Vale a pena uma releitura.
( Jornal Contraponto. Caderno B, 18 a 24 de setembro de 2009).