sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O gosto de brincar com as palavras





O gosto de brincar com as palavras

 (Neide Medeiros Santos – Ensaísta e Crítica literária – FNLIJ/PB)

 

  Palavras

Gosto de brincar com elas.

Tenho preguiça de ser sério.

(Manoel de Barros. Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo).

 

Manoel Wenceslau Leite de Barros, ou simplesmente Manoel de Barros como é conhecido nacionalmente, nasceu em Cuiabá, em 1916, estudou e formou-se em Direito no Rio de Janeiro e por lá trabalhou durante muitos anos.  Na década de 60, aposentado das atividades profissionais, voltou para seu estado natal. Atualmente mora em uma fazenda nas proximidades de Campo Grande.

A carreira literária do poeta teve início na década de 30, com a publicação de livro “Poemas concebidos sem pecado” (1937). Somente nos anos 60, livre de outros compromissos, o poeta se dedicou às atividades agrícolas e, de maneira mais intensa, à poesia.

Ricardo Alexandre Rodrigues, na sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2006, com o título A Poética da Desutilidade. Um passeio pela poesia de Manoel de Barros afirma que, embora tenha publicado vários livros entre os anos 40 e 70, o reconhecimento do público só aconteceu por volta dos anos 80. O ensaísta lembra que as composições de Manoel de Barros nos despertam para reflexões em torno da poesia e de suas brincadeiras com as palavras. 

 Se fizermos um levantamento em torno da produção literária de Manoel de Barros, iremos constatar que a partir dos anos 80 o poeta intensificou a publicação de livros, mas foi em 2000 que o poeta começou a escrever livros destinados ao público infantil. Será que Exercícios de ser criança (2000), O Fazedor de Amanhecer (2001), Cantigas para um passarinho à toa (2003) e Poeminha em língua de brincar (2007) são livros para crianças? Sabemos que os rótulos nem sempre são fiéis ao conteúdo do texto literário, por isso preferimos dizer que, nesses livros, afloram sentimentos inerentes à criança e o leitor infantil se identifica com o poeta que sabe dar voz às pedras, aos passarinhos, às árvores.

 Exercícios de ser criança recebeu o Prêmio Odylo Costa filho (2000),  na categoria de poesia, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e Prêmio da Academia Brasileira de Letras nesse mesmo ano. As belíssimas ilustrações da família Dumont para esse livro formam um rendilhado perfeito entre texto (poemas) e tecido (bordados das irmãs Dumont, sob desenhos de Demóstenes Vargas).

O Fazedor de Amanhecer, com ilustrações de Ziraldo, ganhou em 2002 o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria livro de ficção; agora, em 2008, Poeminha em língua de brincar, com ilustrações de Martha Barros, ganhou o Prêmio FNLIJ Odylo Costa filho – O Melhor Livro de Poesia. É sobre este último livro de Manoel de Barros que iremos tecer algumas considerações.

Em Poeminha em língua de brincar, o poeta escolhe, cuidadosamente, cada palavra e vai tecendo uma renda que às vezes é labirinto, como neste exemplo:

Gostava mais de fazer floreios com as palavras do que de fazer idéias com elas.

 Outras vezes é renascença:

 Pois frases são letras sonhadas, não têm peso,

nem consistência de corda para agüentar uma rã em cima dela.

O labirinto é um bordado feito à mão, cheio de floreios; a renascença é uma renda tecida ponto por ponto, muito fina, delicada, leve, muito leve, quase sem peso.

Como as bordadeiras nordestinas que brincam com as linhas e os desenhos, construindo rendas e sonhos, o poeta brinca com as palavras e constrói poemas.  

 Martha Barros fez as ilustrações do livro. A capa se assemelha a um rio com peixes que flutuam em águas alaranjadas, ou será um pauta com notas musicais, povoada de meninos e passarinhos? Talvez o menino travesso saiba responder.

Nas páginas internas do livro, as ilustrações que acompanham os poemas guardam afinidades com desenhos e letras de um menino aprendiz.

As duas linguagens (verbal e pictórica) se enlaçam, se abraçam, caminham pari-passu formando um único texto, rico em simbologias. O poeta e a ilustradora têm uma maneira particular de “transver” o mundo.

Manoel de Barros, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil  (Caderno Idéias, 30 de março de 2002) afirmou que trabalha cada letra, cada sílaba, cada palavra para conseguir certa harmonia para o verso ou a palavra. O apuramento na escolha de cada palavra, cada verso em Poeminha em língua de brincar comprova que estamos diante de um poeta comprometido com a linguagem e consciente do fazer poético.  

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