terça-feira, 21 de outubro de 2008

lembranças da revista tico-tico


Lembranças da revista O Tico-Tico
Neide Medeiros Santos – Professora e crítica literária

A criança está perdendo a infância, a infância que eu tive lendo o meu Tico-Tico, Almanaque d´O Tico-Tico.
(Lygia Fagundes Telles)

Para quem nasceu na primeira metade do século passado, a publicação comemorativa do centenário da revista O Tico- Tico (Vinhedo: SP: Opera Graphica Editora, 2005) foi um verdadeiro presente.
No prefácio da luxuosa e bem cuidada edição, Sérgio Augusto afirma que essa revista fez mais pela educação do Brasil do que todos os ministros que disso se encarregaram nos últimos cem anos. (p.6)
A revista O Tico- Tico nasceu em 1905, no dia 11 de outubro de 1905, e durante quase seis décadas educou e divertiu várias gerações de brasileiros, como Francisco Campos, Gustavo Barroso, Assis Chateaubriand e os acadêmicos Josué Montello e Raimundo Magalhães Júnior. Os intelectuais Alceu Amoroso Lima e Gilberto Freyre também foram leitores de O Tico-Tico. Conta-se que Rui Barbosa era leitor assíduo da revista e, certa vez, quando lhe pediram para explicar uma informação que dera, disse: Ora, tirei do Tico-Tico.
Ainda, com relação a Rui Barbosa, Rejane M.M.A. Magalhães, no depoimento do capítulo 24, declara que:
Rui Barbosa todas as semanas comprava O Tico-Tico para os netos, mas era o primeiro a ler a revista. Numa das ocasiões, o Desembargador Palma, seu amigo, encontrou-o mergulhado na leitura e gracejou: “Você virou criança?” Ruy, sério, respondeu: “O espírito tem necessidade de distrações amenas , e nada melhor para conservá-lo jovem do que as leituras infantis.” (p. 185)
O criador da revista foi Luís Bartolomeu de Sousa e Silva que já editava O Malho e Renato de Castro é considerado o pai d´O Tico-Tico. Foi uma revista pioneira nas histórias em quadrinhos no Brasil. Era uma leitura mais destinada para meninos, mas era lido também por meninas.
Na coletânea Memórias Rendilhadas: vozes femininas (João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006), as escritoras Mila Cerqueira, Socorro Loureiro, Vitória Lima e Yolanda Limeira fazem referências à revista O Tico-Tico. Socorro Loureiro achava delicioso ler, no Almanaque Tico- Tico, as aventuras de Reco-Reco, Bolão e Azeitona. Dar gostosas gargalhadas com as trapalhadas do casal Zé Macaco e Faustina. (p.77)
Esses depoimentos das mulheres escritoras comprovam a grande aceitação dessa revista pelo público infantil, independente da região e do sexo. O Tico-Tico não conhecia fronteiras, era lido no Sul/Sudeste, Norte/ Nordeste do Brasil.
A edição comemorativa do centenário da revista apresenta, entre outras coisas, uma entrevista com o bibliófilo José Mindlin. Mindlin permitiu que os organizadores do livro consultassem a sua coleção particular de livros e revistas na vasta biblioteca que reuniu através dos anos e fotografassem o 1º. número da revista O Tico – Tico.
A paixão pelos livros do bibliófilo Mindlin transparece em vários momentos dessa entrevista. O cultor dos livros não sente o peso dos anos (91 anos na época da entrevista, 2003) e fala sobre projetos de incentivo à leitura – “Estado Leitor”, uma idéia de transformar o estado de São Paulo em um “estado leitor” através de investimentos na formação dos professores. Outro projeto de Mindlin é instituir nas escolas a hora “Prazer da Leitura”. Nesse caso, a leitura não seria uma obrigação nas aulas, mas uma fonte de prazer. Professores e alunos, em conjunto, comentariam os livros, fariam leitura em voz alta, emitiriam opiniões sobre os livros. Estas sugestões podem ser seguidas por outros estados do Brasil.
Há, ainda, depoimentos de escritores e textos de críticos analisando a revista sob vários ângulos: psicológico, jornalístico, pedagógico, sociológico. Dentro desse rico universo de depoimentos, não poderíamos deixar de citar o belo texto de Moacyr Cirne:
Sou do interior do Rio Grande do Norte, sertão do Seridó, nascido em 1943. Aprendi a ler através de O Tico-Tico, no final dos anos 40. Quem o adquiria era minha mãe, que me ensinou a penetrar em seu mundo vocabular, ao mesmo tempo em que eu “lia” as imagens. Reco-Reco, Bolão e Azeitona, de Luiz Sá, por exemplo, eram personagens que me encantavam vivamente. Confesso: tudo aquilo era muito mágico, era muito envolvente. (Capítulo 6, p. 55).
Para os depoimentos que abrem os capítulos foram escolhidas pessoas que tiveram uma relação emocional com a revista, como José Mindlin, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Cirne, Moacyr Scliar, Ziraldo, Érico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade.
Na página 172, capítulo 21, com o título O Tico-Tico e a Cultura Nacional, o leitor encontra a reprodução da crônica de Drummond, publicada no Correio da Manhã – Um passarinho, uma crônica cheia de poesia e de humor, uma homenagem à revista que foi pai e avô de muita gente importante.
É possível descobrir fatos interessantes e pouco conhecidos do público lendo esta edição comemorativa dos 100 anos. Sérgio Buarque de Holanda, mais conhecido como pai de Chico Buarque e autor de Raízes do Brasil e Visões do Paraíso, quando tinha 9 anos compôs a valsa “Vitória Régia” que foi publicada na revista O Tico-Tico. Compor valsinhas é, portanto, uma tradição da família Buarque de Holanda.
Entre os poetas e romancistas que colaboraram com a revista, destacam-se: Coelho Neto, Bastos Tigre, Malba Tahan, Osvaldo Orico, Josué Montello. Figuravam entre desenhistas e cartunistas: Ângelo Agostini, Alfredo Storni, Luiz de Sá, J. Carlos.
Colada na contra capa interna, o leitor encontra uma reprodução integral de O Tico-Tico número 1. É uma edição fac-símile.
Se houve influências americanas e francesas nos quadrinhos da revista O Tico- Tico pouco importa. A revista marcou época e deixou boas lembranças nos assíduos leitores de um tempo em que a leitura era o passatempo predileto das crianças.
Não fui leitora de O Tico-Tico, mas esta edição comemorativa do centenário da primeira revista de quadrinhos do Brasil veio preencher o vazio da leitura que deveria ter sido e que não foi.







Um comentário:

Simône Silva disse...

Olá sou aluna de jornalismo, e nesta sexta-feira a professora estava nos falando desta revista infantil. adorei a novidade.... Ela falou tanto que nos deixou curiosos.... Cheguei em casa fui direto ver como era a famosa revista.
Um grande abraço.